Quando foram dadas a São Pedro as chaves do reino, presume-se que várias cópias foram cuidadosamente guardadas para que não se perdessem entre as nebulosas celestiais. Situação dessas, vivi anos atrás. Pronta para cumprir mais uma tarefa profissional, vejo-me trancafiada em meu lar doce lar. A chave de acesso à rua, bem fechada, sem que pudesse usar as palavras mágicas do "Abra-te Sésamo!" Sensação de aprisionamento em derradeiro inverno. Frustradas várias tentativas, apelei ao santo milagroso, Santo Antônio, que, de costas guardava minha cozinha. Instintivamente, pela quarta vez, joguei sobre a mesa todo o conteúdo da bolsa que levava tateando o forro. Lá estava ela, presa ao chaveiro enorme, rindo às escâncaras. Revolvi todas as costuras tateando a "porta" por onde ela entrara, mas nenhuma suposta entrada se antevia. Entre intrigada e surpresa, teria que levar ao holocausto, a intrigante peça complementar do vestuário, que num rasgo de coragem recebe as lâminas frias da tesoura a lhe rasgar, dolorosamente, a alma. Em seguida, pontilhei às pressas, o lugar ofendido e já me dirigira a porta de saída, quando algo mais forte me fizera voltar. Volvi a cabeça ao santo que me atendera para agradecer-lhe. Era São Benedito, o protetor da minha cozinha... Nomeei-o de Santo Antônio e ele nem se importou. Simplesmente, chamou o santo invocado e trabalharam em dueto.
Ambos trazem nos braços o menino Jesus, tão brincalhão quanto as crianças sadias e felizes. Mesmo voltado de costas, São Benedito se incumbe da proteção da minha cozinha, sabendo que a dona da casa, inconscientemente, chama pelo santo casamenteiro...
ARAHILDA GOMES ALVES