Toda a família reunida na chácara. Cada um fazendo o que lhe agrada. Os homens sentados a uma mesa, jogando dominó. O tilintar das pedras mexidas na mesa se confunde com o barulho dos gritos de “bati de buchuda” nas vitórias de seis a zero.
– É lá e lô – anuncia que alguém bateu nas duas cabeças.
As mulheres transitam da cozinha para a sala, levando os lanches para as crianças, que brincam na varanda. Algumas delas sobem e descem no balanço do galho da árvore. Quando a Patrícia, caçula da família, que brinca de casinha de boneca com as primas, comunica:
– Eu botei um caroço de milho no ouvido – fazendo silêncio entre elas.
– Patrícia, você fez o quê? – pergunta a prima mais velha.
E, mediante a demora da resposta, a prima mais velha se levanta num só pulo e sai correndo para avisar aos adultos.
– Tia, tia. A Patrícia botou um caroço de milho no ouvido!
Pronto, o moído estava feito. A partida de dominó parou; os caroços de milho que serviam como se dinheiro fossem nas apostas se espalharam na mesa. No que não demorou muito para as acusações começarem.
– Vocês tinham que ter prestado atenção nas crianças. Como deixaram elas pegarem caroços de milho?
Nisso, já corre a irmã mais velha da família, no melhor estilo madre superiora, segura a Patrícia pelos ombros, olha nos olhos dela e pergunta:
– Você botou esse caroço de milho em qual ouvido?
A menina, assustada, com os olhos aboticados da tia e o povo em seu derredor, fica sem saber o que dizer.
– Vamos, fale em qual ouvido você colocou? Pelo amor de Deus, alguém chama um médico!
– Melhor levar logo pro hospital – aconselha um dos tios.
Uma tia mais desesperada...
– Parece que ela não tá escutando nada. Deve ter botado caroço nos dois ouvidos.
Daí piorou, a situação virou um deus nos acuda. A comida quente que já estava posta na mesa pro almoço fica relegada a segundo plano. O desespero superou a fome.
– Pessoal, pessoal – é quando uma tia mais tranquila, que estava clamando a Deus por uma solução, intervém.
– Filhinha, minha querida, como foi que você botou o milho no seu ouvido? Diz pra gente fazer também, pra ver se é bom, se é bacana – usa de psicologia reversa, para não a deixar mais assustada.
– Pode contar, sem medo.
Olhos fitos na menina, respirações pausadas, corações acelerados...
– Eu botei no ouvido da boneca, mas depois tirei.
O alarido foi grande. O ufa de alívio ressoou na sala num misto de alegria e vontade de cair num berreiro, gratos a Deus pelo livramento.
– Vamos gente, vamos almoçar. Já basta de tanta emoção por hoje – convoca a nona.
– É, vamos comer e depois continuar com o dominó.
Pra que alguém inventou de propor isso? Bastou pra ouvir da nona, com todas as forças da sua garganta.
– Vocês podem até voltar a jogar dominó, mas com caroço de milho apostado... nem aqui e nem na China.