A misericórdia tem uma grande variedade de sentidos, como o perdão, a benevolência e a bondade. Ela pode ser vista em diversos aspectos, sejam éticos, religiosos, sociais e até legais. Quando nós falamos de um “Deus misericordioso”, estamos nos referindo a várias religiões. Citamos aqui o caso do Cristianismo, do Judaísmo e do Islamismo. Nessas religiões, a misericórdia supõe experiência de fé.
As atitudes de Jesus ao encontrar pobres e pecadores, que o cercavam, revelam prática concreta de misericórdia. Não é por acaso que ele ia tomar refeição nas casas de publicanos e de pecadores. Também olhava para essas pessoas com amor e as interpretava como empobrecidas, excluídas, pecadoras, que não davam espaço para Deus, e carentes da misericórdia infinita do Senhor.
A misericórdia é expressão de fé em Deus e fruto da forma de relacionamento que temos com as pessoas na comunidade, vendo nelas sinais que irradiam a dignidade divina. Isso tem significado de compromisso com o outro, muito mais do que simplesmente cumprir preceitos cultuais. Na verdade, o nosso modo de vida deve estar mais pautado na misericórdia do que em práticas rituais intimistas.
Judeu-cristãos da “velha guarda” não conseguiam entender a misericórdia a não ser a partir das obras da Lei. Davam à Lei uma dimensão que ultrapassava os limites de seu poder, inclusive acima da prática de fé em Deus. O Apóstolo Paulo teve que enfrentar corajosamente essa questão, ao dizer que, para ser cristão, não era necessário cumprir os preceitos da Lei judaica.
Com o passar do tempo, sentimos uma real relativização da prática externa da Lei do judaísmo, justamente porque ela não tinha fundamento e nem raiz na fé e na misericórdia. Naturalmente, os convertidos do paganismo e do judaísmo ao cristianismo passaram a ser recebidos para uma prática cristã isenta de condicionamentos legalistas e com mais liberdade na fé e na misericórdia.
Na prática cristã, o agir seja de acolhida e de misericórdia, diferente dos fariseus, porque eles viviam murmurando e criticando os cristãos. Diziam que Jesus estava contaminado pelos impuros, pelo seu relacionamento com os pecadores públicos, com quem Ele agia com misericórdia. Por isto disse aquela frase: “Não são as pessoas com saúde que precisam de médico, mas os doentes” (Lc 5,31).
Dom Paulo Mendes Peixoto
Arcebispo de Uberaba