É com pesar que comunico a morte de mais uma vítima do preconceito étnico no Brasil. Seu nome era João Alberto Silveira Freitas. Era apenas um cidadão brasileiro, fazendo compras com a esposa em um grande supermercado varejista, que pagou com a própria vida pela cor da sua pele.
Com isso, a luta pelos Direitos Humanos dá vários passos para trás. Quando pensamos que estamos evoluindo, o episódio lamentável com notas de barbárie reforça que a caminhada ainda é longa e premente.
O ato repugnante aconteceu em 19 de novembro. O dia seguinte era a comemoração do Dia da Consciência Negra. Só que não foi bem assim. Acordamos com um gosto amargo na boca e que conhecemos bem: o sabor do preconceito étnico. Junto a ele vem o ranço da escravidão impregnado nas memórias do nosso país. O sofrimento nas senzalas vem à tona com pungência, deixando a impressão de que pouco mudou. Se antes o preconceito era escancarado, agora é velado. Isso fica bem claro na morte de João Alberto e de milhares de outros jovens negros. Julgar as pessoas pela cor da pele é uma das formas mais perversas de segregação. Lembrando que todos pertencemos à mesma raça: a RAÇA HUMANA. Somos da mesma espécie, com sentimentos, alegrias e dores semelhantes.
No tocante a outras áreas de conhecimento não posso opinar. Mas, como Advogado, posso afirmar que a segregação sofrida pelos negros está no cerne também do Direito Trabalhista. Há pouquíssimos negros ocupando cargos de alto escalão. Eles têm salário abaixo da média e menos oportunidades de trabalho. Fico até envergonhado quando levantam a bandeira da meritocracia. Até parece. Ao meu ver, é só mais um nome pomposo que integra as cartilhas de RH. Afinal, o mundo corporativo é só uma reprodução da roda da vida, não é? Em nosso país, o mérito é nascer branco e em berço de ouro. Do contrário, pode esquecer mérito por bom desempenho, caro trabalhador brasileiro!
Empregada doméstica não teve descanso, enquanto a maioria estava em isolamento protegido da pandemia. Os trabalhos operacionais de modo geral são exercidos por negros, e foram eles que mais trabalharam no ápice da Covid-19. É a Casa-Grande & Senzala de Gilberto Freyre, ainda vigorando por todo o Brasil. Nosso país de dimensões continentais sofre com sua elite branca subjugando a grande maioria negra.
O jeitinho brasileiro também é hipócrita! Por que a gente teima em imaginar que estamos isentos das máculas do preconceito étnico? Doce ilusão ratificada pelas declarações recentes do senhor vice-presidente. Mesmo diante de um episódio claramente típico de preconceito, declarou publicamente: “Não existe racismo no Brasil”. Não sei se choro ou rio de desgosto. Solto uma risada nervosa com a constatação que estamos regredindo como nação. Pobres de nós, cidadãos brasileiros!
Curiosamente, lembrei-me da narrativa de Ensaio Sobre a Cegueira, obra majestosa do saudoso José Saramago. Até quando vamos permanecer na ablepsia conveniente do nosso próprio umbigo? Quando você está por cima é fácil se manter na escuridão da ignorância. E quem está no lugar menos favorecido, o que pode fazer? Seguir a vida aos trancos e barrancos e cada um por si? É isso mesmo, caros governantes?!
Euseli dos Santos
Advogado em Uberaba/MG- OAB (MG) 64.700; mestre em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp)
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