O que personalidades das mídias digitais e os beneficiários do Bolsa Família têm em comum? Resposta: ambos “alimentam” a indústria de apostas esportivas on-line, mais conhecidas como Bets.
As Bets estão em alta por juntar dois poderosos componentes: a paixão do brasileiro por futebol e a possibilidade de “ganhar dinheiro fácil” - o que é uma mera ilusão, porque não há facilidades para quem joga. Outro grande trunfo destas plataformas é a praticidade em utilizá-las. Com o aplicativo no celular, o usuário pode fazer apostas de onde estiver e na hora que quiser. Tudo às escondidas, longe de qualquer olhar de censura. Os mais vulneráveis a este tipo de prática podem rapidamente cair no vício em jogos.
O problema ganha contornos dramáticos quando os possíveis candidatos ao vício são beneficiários do Bolsa Família. Isso mesmo! Um levantamento realizado pelo Banco Central constatou que R$3 bilhões oriundos do programa foram destinados ao pagamento de apostas, ou seja, existe uma infinidade de beneficiários gastando o valor do auxílio em futilidades ao invés de comprar alimentos e outros itens básicos para o sustento da família.
Supondo que eles sejam as pessoas certas para receber este tipo de ajuda social, podemos então afirmar que, ao investir parte do dinheiro do auxílio com apostas on-line, estão tirando doce da boca da criança? Já dizia um famoso ditado popular. Afinal de contas, estão deixando de cuidar do necessário em troca da ilusão de tirar a sorte grande e não precisar trabalhar. Podemos ainda concluir, que os critérios utilizados pelos governantes para mapear as famílias que devem receber o Bolsa Família não são confiáveis?
Enquanto as Bets não param de crescer, outros segmentos acumulam enormes prejuízos. O setor varejista sofreu prejuízo de cerca de R$103 bilhões. Tudo por causa destes mesmos cidadãos que deixaram de consumir produtos para sucumbir às apostas. Como consequências desse contexto são os altos índices de desemprego e a instabilidade na economia do país todo.
Para evitar que a economia continue em curva descendente, o governo federal divulgou recentemente uma norma que proíbe as Bets de receber dinheiro dos beneficiários do Bolsa Família. Todas as contas serão verificadas por meio do CPF. Uma vez que detectar que o usuário recebe o auxílio, a empresa deve cancelar a conta. Finalmente uma medida sensata.
Esta é só uma pequena parte desse cenário disfuncional. Tem também as personalidades que recebem dinheiro com a divulgação das plataformas de jogos, funcionando como um incentivo para que os apostadores de carteirinha continuem jogando ou um chamariz àqueles que estão ensaiando para tentar a sorte. Inclusive, existe uma CPI das Bets em andamento e dois “famosos” já prestaram depoimento. Ambos negaram qualquer envolvimento em atividades vinculadas a essas empresas. De qualquer forma, independentemente da relação direta ou não, eles deveriam se conscientizar do seu poder de influenciar a população e parar de divulgar práticas que aparentemente são legais diante das leis, mas que não são nada legais para a sociedade.
Sabe quem mais está ganhando valores vultosos com as Bets? Os clubes de futebol, evidentemente. Os clubes receberam cerca de R$1,1 bilhão em patrocínios. Dezoito, dos 20 times da Série A, foram contemplados com essa “ajudinha camarada”. Quem puxa a fila é o Flamengo, com R$268,5 milhões pagos pela Betano. A soma é o maior valor da história do futebol brasileiro. Um recorde.
Os dados mostram que diversos fatores e integrantes contribuíram para que as casas de apostas esportivas se tornarem uma indústria poderosa e bilionária. Muitos ganharam em cima do vício de cidadãos comuns. Enquanto uns descem ladeira abaixo tentando sobreviver, outros, seja pessoa física ou jurídica, continuam em ascendência. A pergunta que fica é “por que mesmo fecharam as casas de bingo?”. Nunca teremos uma resposta oficial porque, no país do futebol, o importante é o time do coração continuar jogando e ganhando, não é mesmo Bets?
Advogado em Uberaba/MG – OAB/MG 64.700, especialista em Direito do Trabalho; mestre em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp); conselheiro estadual titular da OAB/MG triênio 2022/2024; palestrante; autor de obras jurídicas