Desde tempos remotos, o ser humano colocou-se no lugar de centro do mundo. Foi essa visão que o fez acreditar que o sol girava em torno da Terra. Teoria que veio ladeira abaixo com a descoberta do astrônomo Nicolau Copérnico, no ano de 1543. O cientista descobriu que o nosso planeta, assim como os outros, dão a volta ao redor do astro rei. Isso significa que não somos especiais.
Essa postura de senhor do planeta, adicionando virtudes tipicamente humanas como arrogância e prepotência, resultaram em intermináveis guerras e outras atrocidades que presenciamos e constam nas apostilas escolares, nas mudanças climáticas (um dos temas mais discutidos e alarmantes do momento), na devastação de biomas inteiros, na extinção de milhares de espécies da fauna e da flora, no surgimento de inúmeras doenças. Decorreu ainda na degradação de valores éticos e morais e por aí vai.
Por outro lado, proporcionou os avanços das ciências e da tecnologia, o impulso do pensamento crítico, o despertar da consciência, a criação das artes e a luta pela perpetuação da sua própria existência.
O fenômeno da era digital ganhou maior evidência sobretudo ao adentrarmos o século XXI. O avanço tecnológico é tão gigantesco que fica até difícil acompanhar tudo que está acontecendo no mundo. A percepção é que sempre estamos desatualizados. Isso ocorre também no mercado profissional, que vem substituindo cada vez mais mão de obra humana por máquinas. Até aí nenhuma novidade.
Em nosso país, a tendência começou a ser implantada notoriamente na década de 1980 pela indústria automobilística. No início, o impacto foi grande. Os operários destituídos de seus cargos protestaram. Os sindicatos queriam intervir, mas foi um caminho sem volta. Neste caso, apesar das demissões e da recessão, as máquinas passaram a executar funções insalubres que colocavam em risco a integridade física dos operários, então sua chegada poupou graves acidentes de trabalho e até mesmo mortes. Claro que o fantasma do desemprego nunca nos abandonou, obrigando a gente a se reinventar continuamente.
O problema é que o medo está se tornando pavor com a invenção da inteligência artificial (IA). Inclusive, a IA já integra alguns aparelhos de uso doméstico. Quem não conhece a famosa Alexa? Porém, sua evolução está alardeando os trabalhadores e é questão de tempo para diversas profissões serem absorvidas completamente por sistemas de IA.
Com o passar dos anos, muitas serão extintas, assim como aconteceram com certas espécies de plantas e animais. Futuramente, serão lembradas somente em mídias saudosistas e nos museus pelo mundo afora. Dessa forma, a tecnologia vai caminhando a passos largos e quem não acompanhar poderá tornar-se um forte candidato à fila sem fim de desempregados da realidade digital.
Estamos vivendo o grande paradoxo da vida moderna: criador x criatura (sistemas de inteligência artificial). E mesmo para o ser humano que vive a síndrome de “senhor do planeta”, este pode ser o seu maior desafio. Será que esse cenário pode contribuir para o fim da sua existência?
Euseli dos Santos
Advogado em Uberaba/MG – OAB/MG 64.700; especialista em Direito do Trabalho; mestre em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp); conselheiro estadual titular da OAB/MG triênio 2022/2024