Final de ano é um período de alento para o coraçãozinho sofrido do cidadão brasileiro. Depois de “sobreviver” aos desafios da profissão por mais um ano, chegou a hora de receber o tão desejado 13º salário. Ao conferir o recibo de salário, abre aquele sorriso ingênuo de trabalhador. Aí começa a saga dos preparativos de Natal: distribui presentes para familiares e amigos; compra roupa nova; gasta um dinheirão para a ceia; farta-se de tanto comer nas festas; viaja com a família. Claro que a alegria da classe trabalhadora dura pouco, porque é só começar um novo ano que vêm os impostos e as despesas extras. É a matrícula da escola, material escolar dos filhos, IPVA.
Dois meses depois chega o IPTU, que começa em março e só termina em dezembro. Por último, não pode faltar a temida declaração de imposto de renda e lá vai mais dinheiro para os cofres públicos. Não basta pagar uma carga tributária vultosa quando adquire a casa própria ou o automóvel; ainda precisa bancar taxas anuais para continuar mantendo seus próprios bens sob sua posse.
Penso que para viver neste país é preciso “matar um leão por dia”, como naquele ditado popular. Sinceramente, dependendo do contexto político e econômico da atualidade, um leão é pouco, talvez sejam necessários, também, um crocodilo, um elefante, um hipopótamo ou quase todos os animais das savanas. Porque brasileiro não tem direito ao sossego, é só trabalhar, trabalhar e trabalhar, para encher os bolsos das autoridades públicas e fazer a máquina do estado funcionar e, consequentemente, quem sabe, poder desfrutar de uma vida mais ou menos.
E como não temos bons exemplos vindo de cima, os folgados se transformam em espertalhões, aplicando os mais diversos golpes em todos os cantos e via canais digitais, seguindo a mesma filosofia de levar vantagem às custas dos infortúnios dos outros, ou seja, o famoso jeitinho brasileiro, que corrói nosso sentimento de patriotismo com a mesma intensidade que nos impede de ser uma nação rica e pujante.
Em 1971, o lendário Chico Buarque cantou a tragédia do povo nos versos da canção Construção: “morreu na contramão atrapalhando o tráfego”. Que tristeza constatar que a classe trabalhadora nunca teve vez! Deveria existir certidão de sobrevivência e não só de nascimento, pois aqui, na terra de ninguém, não há tempo para sossego.
Euseli dos Santos
Advogado em Uberaba/MG – OAB/MG 64.700; especialista em Direito do Trabalho; mestre em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp); conselheiro estadual titular da OAB/MG triênio 2022/2024