Para a infelicidade, a palavra tragédia é recorrente na vida da sociedade brasileira. Diariamente, inúmeras pequenas tragédias ocorrem nas famílias espalhadas pelo Brasil afora, em especial na população de baixa renda, que sofre a perda de familiares (muitos ainda jovens) em decorrência da violência originada pela notória desigualdade social.
Indo além, existem catástrofes, como a que ocorreu no Rio Grande do Sul há pouco mais de um mês. Neste caso, os números mostram o horror da destruição: 95 municípios em estado de calamidade pública e 323 em situação de emergência; mais de quatro milhões de pessoas afetadas, incluindo desabrigados e desaparecidos, e cerca de 11 bilhões de prejuízo financeiro. Sem contar nos valores intangíveis que as águas levaram para sempre, como a morte dos seres que compunham a fauna e a flora locais, o patrimônio histórico das cidades, as memórias afetivas de cada família e muito mais.
É de conhecimento que as tempestades que castigaram o sul do país são resultado das mudanças climáticas. E por mais que os acontecimentos já fossem esperados, a criação de um planejamento adequado poderia minimizar os efeitos das enchentes. Hoje sabemos que os alertas meteorológicos não foram devidamente comunicados às pessoas, e os sistemas de emergência se mostraram ineficientes. Muito menos houve um plano de evacuação organizado para evitar o caos e diminuir o sofrimento dos habitantes atingidos.
De fato, não há muito o que fazer para combater desastres naturais dessa escala, afinal estamos falando da força da mãe natureza e, diante dela, somos impotentes. Isso não justifica a falta de iniciativa e a indiferença das autoridades públicas diante das informações declaradas por especialistas ambientais no projeto “Brasil 2040: cenários e alternativas de adaptação à mudança do clima”. Composto por diversos relatórios, o material foi encomendado por Dilma Rousseff em 2014, mas foi suspenso no ano seguinte e abandonado, sem receber a devida importância pelo Planalto.
Claro que, no país do samba, produzir relatório é simplesmente seguir protocolo, tipo para mostrar profissionalismo e “seriedade” ou, então, para justificar a existência de uma liderança, e este é o ponto que quero destacar: o descaso das autoridades públicas diante da responsabilidade em assegurar o bem-estar, a integridade e a segurança da população.
O projeto Brasil 2040 alertava sobre diversos fenômenos naturais que, de fato, estão ocorrendo ao redor do país, como colapso de hidrelétricas, elevação do nível do mar, falta d’água no Sudeste, piora das secas no Nordeste e aumento das chuvas no Sul. Ou seja, as enchentes estavam previstas há 10 anos e, mesmo assim, nada foi feito para mitigar as sequelas da catástrofe! Ao contrário, o governador Eduardo Leite alterou 480 pontos do Código Ambiental do estado no ano de 2019 e as leis ambientais continuam sendo diminuídas em prol de políticas para beneficiar o agronegócio.
Como consequência da ausência de ações preventivas e de um sistema de resposta eficaz e de acolhimento nesse momento tão crítico, a população vivencia uma crescente descrença na raça humana e nas instituições públicas. Sentimento que foi constatado ao acompanharmos a repercussão dos resgates dos animais domésticos nos noticiários e redes sociais. Eles provocaram verdadeira comoção, muito mais do que o sofrimento humano.
No caso específico de resgate de animais, teve até apelo público para salvar o cavalo Caramelo, que ficou ilhado sobre telhado de uma casa por quatro dias. Claro que eles merecem todo nosso respeito e compaixão, como todo ser vivo que habita este planeta, porém, tudo indica que o ser humano está cada dia mais descrente em seus semelhantes da mesma espécie. Se continuarmos nesse movimento, estamos dando adeus à raça humana e no futuro cada um seguirá sozinho e isolado.