“Trabalho dignifica o homem”, já diz o ditado popular. Na teoria, o trabalho funcionaria como uma ferramenta para enobrecimento do nosso caráter e reafirmação de bons valores e princípios morais, e por que não dizer: um meio para alcançar o propósito de vida.
Já na prática… a frase parece um disparate. Arrisco até a afirmar que é uma ideia romantizada de um sistema que corrobora para as lacunas sociais derivadas da desigualdade. Afinal, como todos sabemos, desde que o mundo existe, ou seja, que está historicamente documentado, o trabalho é um espaço de aprendizados, exercício de experiências práticas e aquisição de habilidades e competências; mas, também, pode ser lugar de opressão, abuso de poder, assédio moral, humilhação e até escravidão (num passado não muito distante).
Nos dias atuais, como retrato da sociedade altamente competitiva, o tópico trouxe outros dissabores para a vida do trabalhador, como estresse, ansiedade, fadiga, síndrome de Burnout, depressão. Precisamos, ainda, lembrar que a dinâmica entre líder autoritário e abusivo e funcionário subjugado é parte integrante da lógica do capitalismo. E, apesar de ser totalmente inapropriada, faz a sociedade continuar se movimentando (logo existindo?) e a roda da economia mundial girar. Tudo isso produz um cenário bem distante da frase de abertura do nosso texto. Sabe o que é pior? Nós, cidadãos brasileiros, estamos sozinhos na luta por melhorias das condições de trabalho, pois o poder público nos deixou ainda mais desamparados com a reforma trabalhista de novembro de 2017 (Lei n. 13467/17).
À época da reforma trabalhista, uma das justificativas do governo seria flexibilizar as relações de trabalho e, com isso, aumentar a possibilidade de gerar novos postos de trabalho. Inexistiu criação de novos empregos, ao menos nos moldes pretendidos pelo governo. Acresce a isso o fato de termos o boom da miséria em todo o país em consequência da pandemia e de tragédias do cenário mundial (guerras da Bósnia e entre Israel e Palestina).
De uns tempos para cá, o que aconteceu foi uma verdadeira desregulamentação do Direito do Trabalho. Com a reforma trabalhista, deixou de existir a proteção ao contrato de trabalho, passando-se a ter a proteção à empregabilidade. Determinados governantes argumentavam: “o cidadão quer empregos ou direitos?”.
O discurso de proteção à empregabilidade, com a restrição de direitos, deixa claro o deslocamento da valorização do trabalho em favor do capital. Diga-se que a precarização das relações trabalhistas, bem como a desregulamentação, é oriunda da globalização, evolução tecnológica e de determinados governantes.
Vale frisar que, em um mundo globalizado, a existência de leis e regulamentos protetores ficará cada vez mais escasso. Assim, com a desregulamentação dos direitos trabalhistas, ganhar o pão de todos os dias está cada vez mais difícil. É como enfrentar uma batalha.
Digo isso porque, com as transformações do mundo, em razão de vários fatores, e sendo as mudanças inevitáveis, é preciso que haja sim normas de valorização do trabalho e dos trabalhadores.
Finalizo conclamando os cidadãos para que cobrem de nossos governantes a criação de políticas sociais de afirmação de direitos, pois o trabalho deve ser espaço de realização de valores sociais, e não somente econômicos; em especial, de preservação de um valor absoluto e universal: a dignidade do ser humano que trabalha. A união do povo se faz necessária para valorizá-lo como direito fundamental e exigir que o Estado ofereça recursos que garantam seu pleno exercício.
Euseli dos Santos
Advogado em Uberaba/MG – OAB/MG 64.700, especialista em Direito do Trabalho; mestre em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp); conselheiro estadual titular da OAB/MG triênio 2022/2024