Em seu primeiro discurso como presidente eleito, Lula expressou sua preocupação em erradicar a fome do povo brasileiro: “Nosso compromisso mais urgente é acabar com a fome outra vez. Não podemos aceitar que milhões de pessoas neste país não tenha o que comer. Este será novamente o compromisso número um do meu governo”, declarou.
Recentemente, o Presidente comentou sobre a possibilidade de aumentar o teto de orçamento para conseguir alcançar esse propósito. A fala de Lula repercutiu no cenário nacional e internacional. O mercado financeiro reagiu com certo alarde. Os economistas logo saíram fazendo previsões sobre o impacto da decisão. Os investidores já ligaram aviso de alerta, receosos pelos próximos passos. E os empresários começaram a temer pelo patrimônio e o futuro da sua organização. Resumindo: destinar mais verbas para melhorar a condição de vida dos mais vulneráveis não parece agradar aos grupos de pessoas que não sofrem com as mazelas da desigualdade social. Porque na prática isso afetará diretamente o bolso da elite empresarial, com a redução de cortes nos investimentos para o setor e, consequentemente, a diminuição no aumento dos negócios e dos lucros.
Isso denota a falta de empatia pelas causas sociais. A maioria já deve ter apagado da memória as cenas desoladoras das “filas dos ossos”, em que centenas de pessoas aguardavam as sobras nas portas dos açougues. Aquela era a única fonte de alimento de muitas famílias durante o ápice da miséria provocada pela pandemia da Covid-19.
Durante a última gestão presidencial, houve um aumento assustador de cidadãos que vivem abaixo da linha da pobreza. Tudo isso catapultado pelas dificuldades em lidar com o contexto da pandemia (o que é totalmente compreensível), mas também pelo descaso das autoridades, vide a redução drástica na verba destinada ao Alimenta Brasil (principal programa que fomenta a cadeia alimentar entre os produtores agrícolas familiares, extrativistas, pescadores artesanais, povos indígenas e famílias em situação de insegurança alimentar).
Os “senhores de engenho” da modernidade querem desfrutar de lucros cada vez maiores e ver seu patrimônio crescendo a cada dia. Basta mexer no dinheiro público que, em tese, representa a falta de incentivos fiscais e outros benefícios, que eles soltam a metralhadora de críticas e começam a mexer os pauzinhos em sua rede de contatos composta de poderosos com forte influência no mercado político-econômico. De tabela, a oposição se aproveita para usar suas armas visando fragilizar o governo atual. A verdade é que erradicar a fome não desperta interesse em certos grupos da população. Estes só querem saber da sua fatia do bolo, dos seus próprios benefícios, o que é um grande paradoxo no mundo atual, que empunha as bandeiras da diversidade, da inclusão e do olhar atento às desigualdades.
As médias e grandes organizações vendem a ideia de boas práticas de governança corporativa voltadas ao social e ao meio ambiente. Acredito até que existam empresas que investem em iniciativas para o bem-estar social e a preservação da natureza, mas ainda são muito ínfimas perto da enormidade da desigualdade social. No final das contas, muitos projetos não saem dos papéis e, na maioria dos casos, as boas ações são utilizadas como recurso de marketing para vender a imagem de corporação inclusiva e socialmente responsável. Dessa forma, o capital continua sendo o objetivo final de uma sociedade comandada por uma minoria que não está muito interessada em mudar a realidade. Já diz o ditado popular: para que mexer em time que está ganhando, não é?
Euseli dos Santos
Advogado em Uberaba/MG – OAB/MG 64.700; mestre em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp); conselheiro estadual titular da OAB/MG triênio 2022/2024