Há palavras que não se deixam transportar inteiras. Não porque faltem equivalentes em outra língua, mas porque carregam um território de experiência impossível de ser convertido em fórmula. Goya, do urdu, é uma dessas palavras: deixar-se levar pela imaginação até sentir algo fictício como se fosse real. Traduzida, ela perde força; vivida, ela escancara o que significa o intraduzível.
O intraduzível não é ausência de correspondência lexical. É o ponto em que a linguagem toca o limite da experiência e ainda assim insiste em se fazer sentir. Quando digo goya, não descrevo; convoco. Convoco a sensação de estar num limiar em que a imaginação suspende as fronteiras entre o vivido e o inventado. É um convite à vertigem, à possibilidade de acreditar por instantes naquilo que não existe.
O cinema nos mostra isso com clareza. Quem já não saiu de uma sala escura carregando nos ombros a dor de uma personagem inexistente? Choramos por vidas que nunca se deram, tememos destinos que nunca se cumpriram, amamos figuras que evaporam assim que a luz acende. O intraduzível se infiltra nessa experiência: a ficção que fere de realidade, a mentira que nos comove mais do que muitos fatos.
Na pintura, a experiência se repete. Diante de um quadro de Mark Rothko, o que se sente não é explicação, mas um mergulho em cor e silêncio. Não há tradução possível para aquela superfície vibrante que nos arranca do chão. Assim também na música: uma canção de Schubert ou de Cartola pode alterar o corpo inteiro, fazer pulsar uma memória que não sabíamos guardar. O fictício, o imaginado, o estético se impõem como presença. Isso é goya: o intraduzível que nos toma e nos convence sem precisar de provas.
O intraduzível, nesse sentido, é excesso. Ele não falha, transborda. É o que nos empurra para além da segurança das explicações, é o que devolve à vida uma força que não cabe nos inventários racionais. Goya ensina que a imaginação não é ornamento, mas motor: nos permite viver intensidades reais a partir de matéria inexistente. É nesse espaço que a vida se reinventa, que o banal se dobra em extraordinário, que o que não existe nos modifica.
Há uma dimensão ética nesse gesto. Permitir-se ao intraduzível é aceitar que não controlamos inteiramente os efeitos do que sentimos. Ao nos deixar levar, entregamos algo de nós ao desconhecido. É um risco: perder-se naquilo que não se traduz. Mas é também condição para não reduzir a vida a uma sequência de fatos confirmáveis.
O intraduzível não é segredo, é acontecimento. Ele se manifesta na palavra estrangeira que não cabe, na imagem que arranca lágrimas, no acorde que vibra sem explicação. Goya é um desses nomes que não se explicam, apenas se experimentam. E, ao experimentá-lo, mesmo sem tradução plena, tocamos o que a vida tem de mais real: sua capacidade de nos afetar para além do que entendemos.
O mundo não se resume ao que posso dizer. Sempre haverá palavras que não cabem, sentimentos que não se enquadram, experiências que não se deixam fixar. O intraduzível é promessa. E é nesse não caber que a vida encontra fôlego para se reinventar.