ARTICULISTAS

O peso que nos carrega

Frederico Oliveira
Publicado em 02/09/2025 às 18:26
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“Sê plural como o universo”, intima Fernando Pessoa. É um convite e, ao mesmo tempo, um desafio. Afinal, como agir diante das pluralidades contingenciais do nosso tempo, quando as linhas da vida não se organizam em sequência, mas em tramas que se cruzam, se dispersam, se chocam? Vivemos num tempo multilinear, onde cada escolha abre e fecha caminhos, mas não elimina as marcas daquilo que não escolhemos.

Dénètem Touam Bona lembra que “caminhar pelo mundo sempre significa retomar histórias e circunstâncias que não escolhemos, mas que oferecem um material único para trabalhar, ao mesmo tempo que lastreiam nossas existências com um peso tão ambivalente quanto necessário — um peso que carregamos e que nos carrega”. Há algo de profundamente humano nesse paradoxo: somos ao mesmo tempo artífices e herdeiros, inventamos a vida enquanto somos atravessados pelo que veio antes.

Esse “peso que carrega” poderia ser lido, como sugeriria Winnicott, não apenas como obstáculo, mas como condição de sustentação. O ambiente, para ele, não é um detalhe: é chão. A criança não se desenvolve apesar da dependência, mas nela, e por meio dela. Também nós, adultos, carregamos esse ambiente introjetado, as histórias herdadas, os silêncios transmitidos, as expectativas que não escolhemos. O peso é ambivalente: pode oprimir, mas também pode sustentar.

Deleuze, por outro lado, incita-nos a pensar em linhas de fuga. Não como escapismo, mas como abertura de passagens no emaranhado. Se a vida não é linear, se é rizomática, então cada peso pode também ser matéria para outro devir. O que herdamos não precisa nos paralisar, pode ser combustível para criar algo inédito.

Entre o peso e a fuga, entre a herança e a invenção, abre-se um espaço de responsabilidade. Aqui se insinua nossa tarefa: viver a pluralidade não como um catálogo de identidades fixas, mas como exercício cotidiano de composição. Pessoa dizia para sermos plurais, não para nos dissolvermos no infinito, mas para aceitar que somos feitos de múltiplos fragmentos, histórias, dores e possibilidades.

Num mundo obcecado pela performance e pelo controle, convém lembrar: carregar não é só fardo, também é gesto de cuidado. O peso nos ancora, mas também nos impulsiona. E ser plural é justamente não escolher entre uma coisa ou outra, mas aprender a habitar os paradoxos, viver entre o sustentar e o fugir, entre o legado e a criação, entre o que nos pesa e o que nos carrega.

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