Nesse instante, o véu da noite repousa sobre a cidade. As luzes, cansadas, hesitam. Contemplo os prédios imóveis, os corpos adormecidos, os nomes esquecidos nas caixas de correio. Há uma suspensão que só a madrugada compreende. E, enquanto tudo parece dormir, meus pensamentos não sabem repousar: insistem em dizer, com a delicadeza de um segredo mal guardado, aquilo que jamais se calará.
O mundo silencia, mas a mente, essa cartógrafa da inquietude, prossegue rabiscando rotas dentro de mim. Penso nos barulhos contidos em cada palavra, na linguagem como uma casa repleta de ecos. Lembro então do que disse Manoel de Barros: “Com palavras se podem multiplicar os silêncios”. Talvez escrever seja isso: desenhar silêncios por dentro da fala, encontrar a pausa que dá forma ao som.
Há silêncios que pesam como pedra e outros que pairam como véus. Os primeiros escondem dores cruas, passados não digeridos, gestos não realizados. Já os outros, mais raros, nos permitem escutar o indizível. É nesses que desejo habitar: silêncios que não calam, mas que ampliam. Silêncios que acolhem, que respiram junto. Porque, às vezes, é preciso escrever, não para dizer algo, mas para escutar o que ainda não foi ouvido.
A cidade dorme e, no entanto, algo vigia. Talvez um vestígio de memória, uma palavra por vir, uma ausência que se recusa a ser ruído. Escrever nesse instante é aceitar o ofício de costurar a sombra com um fio de lucidez. É deixar que o pensamento, ainda que inquieto, tateie, com humildade, o que não se pode explicar.
E assim, na dobra da noite, talvez eu compreenda: o silêncio não é ausência, mas matéria-prima da escuta. E que escrever, afinal, é arriscar-se a escutar o mundo por dentro.