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“Toska” (dicionário de intraduzíveis #7)

Frederico Oliveira
Publicado em 04/11/2025 às 18:10
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Em russo, toska é uma palavra que parece nascer no fundo da garganta, como um som que se recusa a sair. Vladimir Nabokov dizia que não existe equivalente para ela em nenhuma língua. É uma dor sem causa clara, uma saudade que não aponta para nada preciso. Um mal-estar existencial que não é lamento nem depressão, mas uma espécie de desalento que se entranha no corpo. Toska é a tristeza sem forma, o vazio que se sabe cheio de vida.

Há quem confunda toska com tédio, mas o tédio é superfície; toska é abismo. Ela é o contrário da apatia: um sentir tão intenso que já não encontra lugar onde caber. Não é a falta de sentido, mas o excesso dele, a dor de perceber que o mundo continua, mesmo quando algo dentro de nós parou.

O intraduzível de toska está na maneira como ela recusa diagnóstico. Não é sintoma, nem fraqueza, nem estado de espírito. É a alma tentando reaprender a respirar. Um espaço em que o sofrimento e a lucidez se tocam. Talvez por isso os russos a reconheçam com tanta naturalidade: vivem-na como se fosse parte inevitável da condição humana, e não uma falha a ser curada.

Em Dostoiévski, a toska é o que move os personagens que já não acreditam em redenção. Em Tchékhov, é o pano de fundo das pequenas vidas que se arrastam entre esperanças miúdas e o peso do tempo. Mas não se trata apenas da tristeza trágica: toska também pode ser leve, quase doce, um silêncio que acompanha o café frio, o pensamento que vaga ao olhar pela janela, o cansaço depois de um dia sem nome.

No mundo de agora, em que a felicidade se tornou imperativo e o sofrimento um erro de conduta, toska é subversiva. Ela não busca consolo, tampouco aplauso. É o direito de estar triste sem precisar justificar. É o espaço interior em que o humano se refugia quando as palavras já não servem.

Há quem a experimente sem saber o nome. Aquele instante em que o corpo está inteiro e, mesmo assim, falta algo. O dia segue normal, as tarefas se cumprem, mas há uma fresta aberta, uma pequena rachadura por onde o sentido escapa. É toska: essa nostalgia do que nunca se teve, esse desejo difuso por um lugar que talvez não exista, mas que, por um momento, parece possível.

O que a torna intraduzível é sua honestidade. Toska não quer ser superada. Ela não é o prelúdio da cura, mas o espaço da escuta. Um intervalo em que se pode sentir sem função, sem meta, sem nome. O mundo precisa dessa pausa: um instante de tristeza que não produz nada, mas nos devolve inteiros.

No fundo, toska é uma forma de ternura pelo próprio vazio. Ela nos lembra que a alma não se move apenas por alegria ou esperança, mas também pela delicadeza de suportar o que não se resolve. É o tempo em que o silêncio respira, e o respirar, ainda que pesado, é prova de que continuamos vivos.

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