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Viver não é sobreviver: é criar

Frederico Oliveira
Publicado em 09/09/2025 às 17:53
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Há quem confunda viver com se manter em pé. A vida, nesse entendimento, seria apenas uma sequência de dias preservados, como quem risca calendários ou acumula fôlego. Mas Gilles Deleuze nos lembra que sobreviver não basta. A vida verdadeira não é a que se conserva, mas a que cria.

Criar, aqui, não significa inventar obras-primas ou produzir novidades vistosas. Criar é abrir espaço para que algo novo surja, mesmo que seja pequeno, mesmo que não tenha nome. É um gesto de recusa diante da repetição automática e da adaptação cega. Viver criativamente é não aceitar que o mundo se reduza ao já dado.

Nosso tempo, no entanto, tende a confundir movimento com produtividade. Trabalhar, responder mensagens, cumprir tarefas: tudo isso é tomado como sinal de vitalidade. Mas há uma diferença fundamental. Produzir é responder a demandas externas; criar é responder ao que nos atravessa por dentro. É deixar-se afetar por aquilo que pede outra forma, outro ritmo, outro caminho.

Deleuze dizia que uma ética se mede não pelo que julga certo ou errado, mas pelo que aumenta ou diminui a potência de existir (Salve Espinoza!). Nesse sentido, a vida se torna ética quando se torna criativa: quando não apenas repete as formas estabelecidas, mas as dobra, as torce, as reinventa. É nesse desvio que a potência aparece.

Um gesto criativo pode ser mínimo. Cozinhar de um jeito inesperado, mudar o caminho do cotidiano, escutar alguém sem buscar respostas prontas. Não são feitos grandiosos, mas interrupções discretas da repetição. Cada uma delas devolve à vida um frescor que a mera sobrevivência não oferece.

O perigo é viver só para conservar. Quem apenas se protege do risco acaba empobrecendo a experiência. Criar exige abertura, e toda abertura traz vulnerabilidade. Mas é essa vulnerabilidade que faz a vida valer a pena. Sem ela, não passamos de organismos que respiram. Com ela, podemos nos tornar criadores de mundos.

Viver, então, é menos um ato de persistir e mais um ato de inventar. É encontrar brechas no que parece imutável, é reconhecer que o presente pode ser outro. Viver é desviar, sempre, daquilo que insiste em nos reduzir ao mesmo.

Sobreviver é prolongar o tempo. Criar é fazer com que ele tenha sentido.

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