Ewig (São Paulo/SP, Ipê das Letras, 2025), do médico uberabense Lineu Domingos Miziara (lançado nessa terça-feira), é romance, novela literária ou textualização alusiva de fatos e de percepções intelectuais?
Na realidade, é obra sui generis que se não enquadra nos usuais esquemas de ficção literária, já que não articula estória ou trama nem, muito menos, a desenvolve segundo os cânones consagrados, envolvendo personagens, seus problemas e inter-relacionamentos.
Nada disso ocorre. Nada disso é cogitado, espelhado, mostrado.
O que se tem – e se tem em alto grau de propositura, executividade e relevância – é, em essência, não a urdidura de atos, fatos, situações e acontecimentos, porém, a textualização, apenas sugestionada ou sugerida, de parcos e geralmente indefinidos fatos, que, em vez de se encadearem e provocarem consequências como na ficção tradicional, esgarçam-se ou são postos em suspensão e a posteriori aleatoriamente retomados não, porém como efetivação ou concretização, mas, como referenciais ou alusões rememorativas.
Não há, pois, ação ou atuação de personagens e, menos ainda, entrelaçamento de quaisquer atos com medidas ou iniciativas correlatas conectadas ou desenvolvidas entre si.
Mas, narrador, o autor, referenciando alguns fatos atinentes a si próprio e a outras personagens, os tratam a ambos, fatos e personagens, imponderável e alusivamente, do que resulta nem uns nem outras terem existência ficcional.
Porém, avultam e se desenvolvem na obra percepções intelectuais que não necessitam de se prenderem a fatos e personagens, já que, mais do que formuladas em palavras, sem as quais nem teriam condições de serem exercitadas, são feitas de conceitos, que as constituem, portam e encaminham em desdobramentos vocabulares aprimorados e requintados.
Aliás, como o próprio ato de pensar, de produzir o pensamento, que, sem a existência das palavras e da possibilidade de sua articulação, não teria condições de se concretizar, já que o pensamento só se configura e se manifesta por meio de palavras que, orgânica e organizadamente, se unem formando todo um quadro ideológico-idiomático.
Ewig, pois, a par de sua distensionada poética verbal, é obra que se faz e se projeta pela palavra-expressão, contendo termo e significado entronizados no núcleo de operação intelectual de elevada sofisticação e alto nível elaborativo.
E que, além disso, no processamento intelectual de expressá-la, verbalizá-la, a concatena com habilidade, perícia, propósito e poeticidade ao extraí-la do núcleo central da interação vocabular, estabelecendo sofisticado corpus estético.