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Quem bate à porta do Fórum? Perfil das demandas judiciais contra a saúde suplementar em Uberaba

Gustavo Vitorino
Publicado em 11/07/2025 às 15:05
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Na primeira reportagem da série, “Raio X da judicialização da saúde suplementar em Uberaba”, traçamos o pano de fundo nacional — SUS subfinanciado, saúde suplementar regulada pela ANS e crescimento de dois dígitos nas ações contra operadoras — e chegamos ao retrato local: 501 processos distribuídos entre 2022 e 2024 (119 em 2022, 150 em 2023, 232 em 2024), o que equivale a 3,1 ações por mil beneficiários. Mostramos também que a maior operadora na cidade figura na 70.ª posição do ranking de satisfação da ANS. Concluímos, provisoriamente, que enquanto houver distância entre prescrição médica e cobertura contratual o fórum continuará a ser extensão do consultório. Este segundo artigo aprofunda aquele diagnóstico, passando do retrato macro do contencioso para o perfil dos autores, as modalidades de contratos e as pretensões que os levam a buscar o Judiciário.

Antes, uma ressalva quanto aos 501 processos que filtramos: com certeza há outras ações que tramitam em segredo de justiça aos quais não tivemos acesso, mas acreditamos que o número destes não altera as tendências gerais observadas.

Como autores das ações, verificamos ligeiro predomínio de mulheres. No recorte etário, 171 demandas foram propostas por pessoas com sessenta anos ou mais; 41, por crianças ou adolescentes, e 289, por adultos em idade produtiva. Os números mostram que a probabilidade de litígio cresce justamente quando o orçamento familiar é mais pressionado: na velhice, pela combinação de doença crônica e reajuste etário, e na fase Quanto à modalidade dos contratos envolvidos nas ações, entre planos e seguros, identificamos 193 ações ligadas a contratos coletivos empresariais, 125 a individuais ou familiares e 77 a coletivos por adesão — juntos, 395 litígios (79%). Fora desse grupo maior, encontramos 24 planos fechados de servidores públicos, nove contratos de autogestão e 45 contratos antigos não adaptados à Lei 9656/1998 (31 individuais e 14 empresariais). Em 28 processos a modalidade não foi informada ou não era relevante. O mapa corrobora tendência nacional: quanto mais flexíveis as regras de reajuste e cancelamento, maior o risco de disputa judicial.

O objeto da causa escancara o foco maior desses conflitos. Em 292 ações (58,3%) o autor pede a cobertura de um tratamento negado — exame, cirurgia, medicamento, terapia, internação, home care, etc. Outras 108 (21,5%) buscam reativar ou manter o plano, garantir portabilidade ou cancelar o contrato sem penalidade. Setenta e oito processos (15,6%) visam reembolso ou ressarcimento de despesas, e 23 (4,6%) tratam exclusivamente de revisão financeira, como limitar reajustes ou coparticipações. Em síntese: de cada cinco litígios, quase quatro nascem do choque entre a receita médica e a porta fechada do convênio.

Chama atenção a frequência dos pedidos de indenização por danos morais: 355 ações — praticamente sete em cada dez — alegam abalo psicológico decorrente da negativa de cobertura, do cancelamento do plano ou de cobranças indevidas.

Sobrepondo idade, modalidade contratual e pretensão, surge o autor típico: adulto ou idoso, coberto por plano coletivo — empresarial ou por adesão — que, diante da negativa, recorre ao Judiciário para liberar o tratamento ou preservar o vínculo. Crianças aparecem menos, mas lideram os pedidos de terapias comportamentais de longo prazo.

Esses números contam uma história inequívoca: a maioria dos litígios surge quando a terapia prescrita não encontra amparo imediato no contrato, ganhando força extra nas carteiras coletivas, onde reajustes e cancelamentos são mais livres. Enquanto essa distância persistir, o fórum continuará a ser o corredor de acesso entre o consultório e o tratamento.

No próximo artigo, mergulharemos no universo das tutelas de urgência — as liminares que servem de ponte entre a prescrição médica e a sentença final. Mostraremos quantas foram pedidas, quantas foram deferidas e de que modo evitam que a demora processual cause prejuízo irreversível ao beneficiário, iluminando o verdadeiro pronto socorro jurídico da saúde suplementar.

 Gustavo Vitorino

Mestre em Direito Constitucional, advogado especialista em Direito Médico e da Saúde

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