Focar estes conceitos significa perigo porque estamos em terreno escorregadio e até mesmo frágil
Focar estes conceitos significa perigo porque estamos em terreno escorregadio e até mesmo frágil: é como estar sobre um lago gelado tentando mobilidade ou areia movediça. No entanto, estes perigos não podem nos impedir de tentar compreender os conceitos; assim como não nos detemos frente aos terrenos frágeis.
Que a verdade não é única, portanto, múltipla constitui pensamento corrente e conhecido. Podemos ter verdades conflitantes decorrentes do ponto de vista do observador: ela pode ter vários e contraditórios lados. Esta parcialidade de ângulos pode resultar numa verdade real e parcial, que podemos chamar de pluralidade de verdades.
Uma pesquisa no campo filosófico esclarece essas contradições. Assim deparamos com “a verdade do fato” – verdade que é contingente e cujo oposto é impossível; e ainda “verdade da razão” – verdade necessária e cujo oposto é impossível. Já a mentira abre a possibilidade do engano dos sentidos ou do espírit erro, ilusão, ideia, opinião, doutrina, ou juízo falso.
Realmente estive acompanhando os debates ocorridos durante os julgamentos de vários políticos, seus advogados e testemunhas e, durante muito tempo, observei as palavras e expressões utilizadas bem como a linguagem do corpo e os sinais faciais – todo este trabalho interpretativo colocou-me frente a Verdade Mentira que uso sem preposição ou qualquer sinal que as ligue ou separe: este é o palco privilegiado para as encenações magistrais dos atores atuais no seu afã de convencer-nos.
Agradeço a psicóloga Sandra o encaminhamento feito ao nosso grupo de uma parábola do século XIX: estando juntas a passear a verdade e a mentira, num dia maravilhoso, passaram por um poço de águas cristalinas quando aconteceu um convite da Mentira para que se despissem e entrassem na água. Depois de refletir e verificar a temperatura da água a Verdade aceitou o convite. Em seguida, a Mentira levantou-se rapidamente, pegou as vestes da Verdade e fugiu. A Verdade sai do poço e corre atrás para recuperar suas vestes. O mundo, vendo a Verdade nua e crua, desvia o olhar com desprezo e raiva obrigando-a a voltar ao poço para se esconder. Desde então a Mentira viaja ao redor do mundo vestida como Verdade satisfazendo as necessidades da sociedade, porque, em todo caso, o Mundo não nutre nenhum desejo de encontrar a Verdade Nua.
A lição moral dessa parábola revela a forma como lidamos com a Verdade: fugimos dela preferindo a mentira fantasiada. Esse desejo intrínseco pelo engano (me engane que eu gosto) sustenta o circo de mentiras mal ditas que, só posteriormente, são desditas causando enorme sofrimento aos crentes. Daí este sistema político/partidário baseado na repetição infindável da mentira até ser assimilada como verdade.
(*) Psicóloga e psicanalista