A busca inequívoca da dor em atos diretos e indiretos
A busca inequívoca da dor em atos diretos e indiretos, como o cortar-se com facas, lâminas e/ou as próprias mãos e, no segundo caso, com os piercings e tatuagens, acrescida às palavras do psicanalista Manoel Berlinck: “...o humano habita na dor. Não sentir dor coloca o humano num radical desamparo. Sem ela, a existência fica gravemente ameaçada, já que a dor acusa os estímulos potencialmente lesivos do presente, contidos no aqui e agora”; coloca-nos diante do desafio de compreender o significado e a importância da dor para o homem.
As palavras de Berlinck apontam-nos para uma ideia de que a dor tem um caráter defensivo e representa proteção contra ameaças lesivas ou lesões vindas da realidade externa ao organismo. A dor atuaria provocando tensão, que, por sua vez, desencadearia ações de fuga para afastar o sujeito do perigo lesivo atual e presente.
Esta abordagem teórica nivela a dor à ansiedade e depressão enquanto estados que anunciam perigos e ameaças que ocorrem no tempo e no espaço. A diferença entre eles está na relação que estabelecem entre o tempo e o espaço. Assim a dor responde a ameaças do aqui e agora, a ansiedade a ameaças futuras e a depressão está voltada para o passado e para um espaço que não é o aqui e agora.
Para compreender as palavras de Berlinck “...não sentir dor coloca o humano num radical desamparo...”, precisamos retomar algumas noções freudianas. Para Freud, o princípio do prazer se justifica enquanto princípio não só porque rege uma dinâmica, mas também porque dá início ao humano. Antes do Princípio do Prazer, o homem se encontraria num estado nirvânico, onde dor, depressão e angústia não existiriam, mas também onde o humano não existe. A dor provocada pela catástrofe e pela perda do objeto primitivo (a mãe enquanto possibilidade total narcísica) não só inaugura o humano, mas o lança no sexual, na conversão e na perversão.
A dor demarca com características ímpares porque é uma resposta a uma fratura nos limites do organismo e também do psiquismo, remetendo o homem à sua finitude. A dor, fruto da sensibilidade, dá um caráter real à experiência humana, impedindo os perigosos voos imaginários. Entre a dor imaginada e a real, o homem prefere aquela que acaba por impor o aqui e agora do espaço e do tempo.
(*) Psicóloga e psicanalista