ARTICULISTAS

A gota de água e o segredo do oceano

Quando pedimos a alguém que fale sobre si mesmo, ele inicia

Ilcéa Borba Marquez
ilcea@terra.com.br
Publicado em 18/12/2013 às 20:35Atualizado em 19/12/2022 às 09:46
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Quando pedimos a alguém que fale sobre si mesmo, ele inicia uma série de identificações diferentes: “Eu sou alegre, perfeccionista, amistosa, ativa, dinâmica, tolerante...”. Todas se referem a escolhas que teve de fazer, ao longo da vida, em determinados momentos, por uma de duas possibilidades. Assim ao dizer sou alegre e perfeccionista imediatamente exclui triste e relapsa. Toda identificação que se apoia numa decisão deixa um dos polos de fora ou do outro lado da porta. No entanto, tudo aquilo que não queremos ser, tudo aquilo que não queremos encontrar dentro de nós, tudo o que não queremos viver e tudo o que não queremos deixar participar da nossa identificação forma o nosso inconsciente ou nossa sombra. A rejeição da metade de todas as possibilidades não as faz de forma alguma desaparecer, mas sim apenas as exclui da identificação pessoal ou da identificação efetuada pela consciência. A partir de então tudo aquilo que foi rejeitado passa a constituir o que está fora da consciência, o mundo inconsciente: uma existência apenas diferente.

A grande verdade se revela assim em toda a sua complexidade: a soma de todos os âmbitos rejeitados da realidade que o homem não quer ver em si mesmo e nos outros homens permanece no inconsciente. Este é o grande perigo desafiante da existência, pois o inconsciente abriga tudo que foi anteriormente rejeitado, tudo aquilo que não é falado e nem tão pouco conhecido e que, no entanto, existe em sua forma original e atuante. Tudo que o ser humano não quer e não gosta constitui seu próprio inconsciente. Permanecer no desconhecimento destes rejeitados faz com que o homem aja como a criança que ao fechar os olhos acredita que está invisível.

Essas ideias, ao ampliar sobremaneira a vida interna e inconsciente em contraposição à externa e consciente, levam a conclusões inegáveis: o ser humano se ocupa mais com aquilo que ele não quer, não aceita e não acredita. E, nesse sentido aproxima-se tanto de tudo que rejeita que acaba por vivê-los: a rejeição de qualquer princípio assegura que a pessoa viva esse mesmo princípio. Segundo tal lei, os filhos adotam mais tarde na vida exatamente os mesmos comportamentos que mais odiavam na personalidade dos pais. É assim que, com o tempo, pacifistas se transformam em militantes bélicos, moralistas levam uma vida de dissipação e os fanáticos pela saúde adoecem.

Da mesma forma que numa única gota de água encontra-se o segredo dos oceanos, o mundo exterior serve como um espelho em que tudo o que vemos somos nós mesmos, especialmente nosso inconsciente, para o qual, não fosse isso, estaríamos interiormente cegos. O inconsciente é tudo aquilo que está faltando para o nosso bem-estar. O tema da lenda do Graal é exatamente este.

(*) Psicóloga e psicanalista

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