As relações conflituosas entre filhos e pais já reconhecidas, mesmo pelos que não seguem as teorias psicanalíticas, sob a denominação de Complexo de Édipo, estão fartamente analisadas em vários títulos, tornando-se, então, de acesso fácil ao estudo. No entanto, se buscamos compreender as atitudes pedófilas de pais com suas filhas, as informações teóricas diminuem e aparecem apenas como pequenas citações em textos que esmiúçam a rede complexa dos sentimentos vividos pelo filho em direção ao pai e vice e versa. Assim, Enriquez faz uma pequena observação no caso pai/filha: “a menina, futura mulher, não é perigosa para o pai e se encontra numa situação de submissão que não abandonará nunca, partilhando assim a sorte comum das mulheres.” Dessa forma, os filhos são estudados na medida em que representam um perigo para os pais ou para a sociedade estabelecida.
A criança macho é fonte de um duplo perig pode permanecer ligado à mãe, que o absorve, sendo assim somente “filho da mãe”, ou, tendo sido arrancado da mãe, pode tornar-se um rival para o pai. Já a criança fêmea pode permanecer submissa à mãe ou ao pai, o que aparentemente não alteraria a ordem cultural vigente. Os filhos são vistos como submissos temporariamente, já as filhas são colocadas em situação de menores para sempre.
Pelos conceitos já assimilados, reconhece-se no filho/macho o papel de criador da figura social do Pai: aquele encarregado pela coletividade, e por ele mesmo, da formação e transformação de um ser infravivente num ser social. Se este mesmo papel - formador e transformador - também pode ser reconhecido na relação do Pai com sua filha, qual o fator realmente significante capaz de sustentar as diferenças teóricas compartilhadas sobre o lugar do feminino na ordem das gerações?
Quando Freud redigiu o artigo “Totem e Tabu”, que trata da origem da sociedade patriarcal, ele apresentou a situação de um grupo pré-cultural como um bando de fêmeas sob o domínio de um só macho, que, para se manter na liderança, expulsava os outros, mesmo que seus filhos, mantendo todas as fêmeas, o que levou à revolta dos filhos, ao assassinato do líder e à criação de uma lei do incesto, que estabelece os limites e possibilidades da sexualidade. Desde então, o acesso a algumas fêmeas ficou interditado e a outras, liberado. Se essa revolta não acontecesse, a sociedade se manteria sem distinções sexuais, já que ele – o filho macho – continuaria sendo em parte “uma mulher”.
(*) psicóloga e psicanalista