ARTICULISTAS

A poderosa questão do poder

Lendo um texto de Anna Verônica Mautner

Ilcéa Borba Marquez
ilcea@terra.com.br
Publicado em 06/09/2012 às 19:25Atualizado em 19/12/2022 às 17:33
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Lendo um texto de Anna Verônica Mautner me deparei com a seguinte afirmativa: “... o poder dentro de casa é temporário; porque, felizmente, o adulto envelhece e a criança cresce. Então, não existe poder eterno. “Apesar da afirmativa localizar a perda do poder na experiência única da família, ela pode ser estendida facilmente a todas as outras oportunidades onde se viva ou almeje o poder. A adjetivação do poder se condensa e se repete nos enfoques econômicos, dinâmicos, e, temporais: o poder é efêmero. Ele é vivido sempre na veloz experiência do ganho e da perda que, embora revivida em todas as situações, parece não conseguir estabelecer-se na plenitude transparente de sua realidade, mostrando-se sob sua face real: um bem circular e ilusório tanto quanto passageiro. Mas, quem sabe, o impedimento é na subjetivação do percebido objetivamente, ou seja, é difícil para o homem introjetar como verdade revelada algo muito buscado e tão frágil: briga-se tanto... por tão pouco...

O poder se instala na brecha criada pela relação dicotômica da desigualdade onde um ocupa o lugar daquele que tem o que o outro não-tem. Existe sempre esta disparidade, este a mais ou a menos das relações entre os diferentes.  As relações se norteiam pela assunção complementar dos opostos que assim figuram um todo. Duas partes que formam algo maior e único. Podemos lembrar do provérbio popular de que “dois bicudos não se beijam”. Isto é inevitável bem como positivo, desde que não se cristalize nas funções opostas de senhor/escravo.

No livro “São Jorge de Ilhéus”, de Jorge Amado, esta temporalidade efêmera do poder é muito bem retratada quando enfoca a velhice dos Coronéis do Cacau. Senhores acostumados às ordens e ao poder absoluto sobre os outros, poder que se estendia da posse da terra à vida humana. Os coronéis se imaginavam donos das terras e das pessoas já que decidiam por si só quem deveria viver ou morrer e como seria esta vida ou esta morte. Mas, o tempo passou e os sentidos se foram. Os sentidos das ações, das palavras e os sentidos humanos. Sem enxergar e sem tão pouco poder caminhar por suas próprias pernas os antigos coronéis não conseguem sustentar um poder assim tão ilimitado e, por isso mesmo, fantasioso. Só lhes restava a capacidade verbal de dar ordens que, no entanto, não podiam ser acompanhadas na sua execução. A cegueira impedia totalmente a avaliação do cumprimento de suas ordens agonizantes. Tanta luta, tanto esforço que agora não podiam ser desfrutados. O que se ganha quando se ganha? O que se perde quando se perde? A única resposta possível é que se ganha ou se perde a ilusão. A ilusão do poder. Parece, então preferível a perda que nos leva ao real e não ao imaginário.

No entanto, a repetição até mesmo cansativa, tanto na história de um indivíduo quanto na história da humanidade, impõe uma compreensão diferenciada sobre esta questão poderosa do poder. Por que não aprendemos, com a experiência, a não desejar o poder? Que força propulsora é esta e qual a sua magnitude, uma vez que o homem desde sempre está nestas situações conflitivas, até mesmo guerreiras, em busca do poder?  As raízes só serão encontradas a partir de uma telescopia psíquica esclarecedora.

(*) Psicóloga e psicanalista

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