As crianças de baixa idade não têm nenhum escrúpulo moral em bater ou em se apropriar de bens dos outros e sentem um grande prazer em demolir e destruir os objetos que podem alcançar. É sob a influência da educação que a criança aprende, aos poucos, e bem dificilmente, a renunciar à satisfação dessas tendências agressivas e acaba por recalcá-las tão bem, que, por vezes, o adulto normal ignora trazer em si essas forças antissociais. Vale lembrar que a leitura do mundo com seus objetos atrativos e outras pessoas é completamente diferente da do adulto. Aquela supressão das forças agressivas não é tão completa e uma parte subsiste normalmente, não apenas compatível com a vida em sociedade, mas sendo mesmo desejável: o espírito de competição, por exemplo, nos diversos domínios da vida profissional e amorosa.
Sabe-se, como o sublinhou Le Bom, que de modo geral, pertencer a uma multidão facilita a eclosão de estados de agressão violentos, se bem que passageiros entre indivíduos que, tomados isoladamente, seriam incapazes de tanta agressividade. Atribui-se esta propagação dos estados afetivos ao contágio mental, ou ainda à sugestão. Estudando as massas organizadas, Freud descreveu a importância fundamental da relação dos membros dessas massas com seu chefe.
O sentimento de amor comum pelo chefe e a identificação entre todos os membros de tal massa reduzem ao mínimo as tendências agressivas no interior do grupo. Por conseguinte, essas tendências podem se manifestar com maior vigor e violência contra os grupos ou indivíduos que se encontram, por qualquer razão, fora ou excluídos da massa. De fato, o chefe substitui mais ou menos complemente o superego daqueles que o idolatram. A função principal do superego, o recalque dos impulsos instintivos, é assim delegada ao chefe adorado. Desde então, é ele que decide a sorte destes impulsos entre os seus adoradores obedientes. Se ele deseja alguma violência pública, o ódio de seus fiéis adeptos não será contrariado por nenhuma barreira moral. Freud descreveu a estrutura psicológica das massas organizadas, a partir do Exército e da Igreja, mas é a Alemanha nazista que nos fornece o exemplo mais surpreendente. Por isso, na hora de escolher nossos líderes, devemos nos lembrar deste potencial de violência, que, como uma áurea, envolve sua imagem.
(*) Psicóloga e Psicanalista