“O tempo inflexível, o tempo que, como o moço é irmão da Morte, vai matando aspirações, tirando perempções, trazendo desalento, e só nos deixa na alma essa saudade do passado, às vezes composto de fúteis acontecimentos, mas que é bom sempre relembrar.” (Lima Barreto) E relembrar não é repetir recordações, é, antes de tudo, revisão dos fatos em nova linguagem, em nova roupagem que pode até mesmo modificar a lembrança.
Durante muito tempo repetimos na experiência escolar o Descobrimento do Brasil como fato do acaso feito pelos navegadores portugueses liderados por Pedro Álvares Cabral nas caravelas Santo Antônio, São Pedro e Nossa Senhora Anunciada, que saíram de Portugal pelo Tejo à procura de um novo caminho para as Índias em busca das valorizadas especiarias. Hoje pensamos essa chegada ao Brasil como uma invasão planejada para alcançar as terras maravilhosas do Novo Mundo, fonte inesgotável de alimento e fartura, metais e pedras preciosas em abundância capaz de acabar com a decadência europeia que trazia fome e miséria para grande parte dos seus povos!
A favor do planejamento temos o Tratado de Tordesilhas de 7 de julho de 1494, assinado entre Espanha e Portugal, que dividia as terras descobertas e por descobrir fora do Estado por ambas as coroas. Antes mesmo de descobrir este Mundo Novo e de saber o que era e o que poderia representar ele já tinha dono e certificado de origem. Mas o Tratado de Tordesilhas tinha também um antecedente altamente revelador: a Bula Papal Inter Caetera, assinada pelo Papa Alexandre VI em 4 de maio de 1493, que dividiu as novas terras do globo entre Portugal e a Espanha. Esta tentativa de dividir as promissoras terras novas entre as duas coroas da Península Ibérica com a intermediação da Igreja ocasionou imediata reação por parte das outras nações em especial Francisco I da França que assim se pronunciou: “Gostaria de ver a cláusula do testamento de Adão que dividiu o mundo entre Portugal e Espanha e me excluiu da partilha.” A sequência de fatos ocorridos, como a invasão sistemática por corsários franceses bem como holandeses nas terras descobertas, mostrou que a legitimação papal seria insuficiente para a manutenção do domínio sobre os achados territoriais. Era fundamental apossar-se de forma incontestável deste novo mundo abrindo o velho mundo para conhecê-los e acolhê-los. Pero Magalhães Gandavo, criado e moço da Câmara de D. Sebastião, copista da Torre do Tombo, assim escreveu pondo fim à dicotomia reinante até então que apresentava os gentios ora como bárbaros ora como doces: ... a língua desse gentio carece de três letras – o F, o L e o R revelando que eles não têm Fé, Lei e nem Rei, vivendo sem justiça e desordenadamente.
Ilcea Borba Marquez
Psicóloga e psicanalista
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