A palavra carnaval origina-se do “vale carne” ou “adeus à carne” presente nos festejos profanos que se iniciava no dia de Reis (Epifania) e se estendia até a quarta-feira de cinzas, quando se dava início aos jejuns quaresmais. Aqueles representavam um tempo de diversões, folias, folguedos de todas as sortes quando se despedia de forma ruidosa dos excessos da “carne” para dar início às restrições do espírito.
A palavra carne aqui deve ser tomada em seus dois sentidos: não só o alimento proveniente de proteínas bovinas, suínas e outras; mas também o animal que se opõe ao espiritual no homem. Estar entre a carne e o espírito refere-se à dupla tendência que anima o homem na ótica cristã do Novo Testament a natureza e a graça; o corpo e a alma; o carnal e o espiritual. Nestes termos a carne possui também um sentido moral tratando-se não só do corpo ou da humanidade, mas da natureza humana que perdeu sua retidão por causa do pecado original – a carne arrasta para baixo e disso resulta a necessidade constante de lutar contra as desordens que ela não cessa de produzir. Assim o Carnaval se torna um tempo de excessos carnais: do consumo exagerado de alimentos protéicos, das substâncias que produzem prazer, da alegria destemperada, dos movimentos inebriantes chegando até mesmo às orgias sexuais.
Não se pode negar a atualidade de stress que submete o homem nos tempos modernos: da imposição de modelos ideais de aparência, de sucesso, de status social à submissão cega a todas estas pressões. Se por um lado exige-se do homem resultados definidos como bons e justos, anteriormente pela sociedade; por outro lado impõe-se um ser e estar no mundo de acordo com a ótica do coletivo em detrimento do individual. Como visto anteriormente, a origem deste tempo de folia deu-se a partir da necessidade de fugir à pressão religiosa no sentido das restrições quaresmais como um tempo de liberalização social de excessos. Mas, como até mesmo o critério de felicidade ou infelicidade está determinado socialmente para todos e cada um, o homem não consegue fugir das pressões stressantes: nestes dias carnavalescos a imposição social é de que se cometa todos os excessos: “tome todas” e “coma todas” num movimento de escravização do homem indivíduo ao comum do grupo. Se observarmos bem, veremos que os foliões não apresentam a feição esperada de bem-estar consigo mesmo, mas, ao contrário, uma máscara de alegria que esconde a dor do escravo.