O poeta volta-se para o passado primordial, o profeta volta-se para o que está por vir
O poeta volta-se para o passado primordial, o profeta volta-se para o que está por vir. Mas, nos dois casos, o passado e o futuro são partes integrantes da circularidade do cosmo, do eterno presente, do qual se afastam aparentemente, para decifrá-lo naquilo que ele oculta. De qualquer forma o tempo presente se amplia, quebrando os limites do passado e do futuro abrindo a possibilidade de algo permanente que não acaba – a imortalidade – e não tem começo – o eterno.
Se ser poeta é estar permanentemente apaixonado pela língua e fazer poesia é um ato de amor, de que amor estamos falando? Vejamos: o amor, como o conhecemos hoje, com seus rituais, romântico, idílico erótico e sexual nasceu na aristocracia da nobreza provençal, no Sul da França, no século XII. O amor cortês foi cultivado pelos poetas provençais e influenciou a poesia portuguesa, como também a europeia chegando, posteriormente, até nós. Amar era um esporte aristocrático que depois se popularizou. Não que o homem e a mulher, a mulher e o homem nunca tenham sentido aquela coisa um pelo outro, mas na Antiguidade isso era considerado uma espécie de maldição, magia, bruxaria ou feitiço. Dizeres com estou encantado por este homem ou esta mulher comprovam este significado anterior bem como a atitude de buscar rituais mágicos e umbandísticos para conseguir e manter seu amado pelos desejos da paixão. A poesia seria cúmplice, desde o começo, desse sentimento que se chama amor. Nada mais natural, uma vez que, a poesia, é o amor entre os sons e os sentimentos. Ela é na sua substância, intrinsicamente, amor, ou seja, aproximação entre sons e sentidos de uma maneira em que a prosa não o é e, por isso mesmo, a poesia não morre, por isso é imortal.
Outra característica da poesia é que ela não vende. Ela não vende e é bom que não venda. Poesia como um ato de amor entre o poeta e a linguagem pertence a uma reserva ecológica do mercado em que vivemos, que resiste ao fato de se transformar em mercadoria. Não é uma infelicidade e nenhuma inferioridade da poesia escrita. A dificuldade dela em se transformar em mercadoria é uma grandeza. Ela é feita de uma substância que é basicamente rebelde à transformação em mercadoria. No nosso tempo tudo pode ser vendid coisas, sensações, os momentos mais incríveis e também mais emocionantes. Uma coisa, porém, não pode ser transformada em mercadoria – o amor. Amor é dado de graça, não pode ser vendido e nem comprado. Você até pode comprar sexo de outra pessoa, mas o amor a gente sabe que é o último reduto que resiste à transformação em mercadoria. Assim é realmente a paixão do poeta pela linguagem e da linguagem pelo poeta: é também o amor que os faz imortais.
(*) Psicóloga e psicanalista