Os enigmas dos encontros/desencontros amorosos ou apaixonados intrigam surpreendentemente aqueles que os vivem solicitando-nos elucidamento. Assim é com a experiência de amor à primeira vista. Para Clérambault, é preciso uma história anterior de perda ou enlutamento por uma paixão para que se instale o que ele chama de estado prodômico ao amor à primeira vista. Isso quer dizer que esta experiência do apaixonar-se instantaneamente num lance tão extraordinário quanto estranho só é possível para aqueles que estão curtindo a ressaca desagradável de uma separação amorosa, experimentando aquele estado de tristeza e ansiedade difusa.
Estas palavras de Clérambault se encaixam perfeitamente numa experiência de "amor à primeira vista" que me foi relatada. Trata-se de um jovem em processo de convalescença passional que, ao entrar no escritório de um colega, encontra aí sentada, de costas, uma jovem, uma desconhecida. O colega se levanta para apresentar essa jovem a ele, isto é nomeá-la. E aí, coisa curiosa, a muitas milhas das preocupações do amor ele se enamora no exato momento em que "ela levanta os olhos para ele". De acordo com a descrição feita posteriormente, no momento exato em que ela levanta os olhos para ele, ela não vira o rosto completamente em sua direção, mas o inclina, e ele tem a impressão "estranha" de perceber seus olhos magníficos como que "entornados" para ele. Pelas suas próprias palavras, quando relata o incidente ele percebe no olhar do outro esta visão que o perturba e o "entorna" - que o invade como as águas quando tomam os barcos que se inclinam - nada mais é do que seu próprio olhar. Ele vive este instante como se estivesse frente a um espelho que o reflete.
Este olhar é um fetiche que, no caso, preside o amor; em outras palavras foi um sinal que desencadeou este movimento passional e são os sinais que são tomados por este movimento, numa lógica em que o sujeito procura curar-se pelas vias que o tornaram doente. Este olhar é um traço ou um significante que adquire o valor de agente promotor da paixão quando aparece no momento em que era esperado, mesmo que inconscientemente. Assim, produz-se uma verdadeira alucinação, num momento infinitamente fugaz, cujo caráter paradoxal deve-se ao fato de coincidir totalmente com a percepção.
(*) psicóloga e psicanalista