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Antropofagia 2 – Um encontro entre a psicanálise e a história do Brasil

Os Índios do Brasil comiam carne humana e os Jesuítas combateram esse costume, desde a sua chegada

Ilcéa Borba Marquez
ilcea@terra.com.br
Publicado em 12/02/2019 às 21:39Atualizado em 17/12/2022 às 18:08
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Os Índios do Brasil comiam carne humana e os Jesuítas combateram esse costume, desde a sua chegada, apoiados na compreensão de que o homem é o fim sensível das coisas: comê-lo era fazer dele um meio. Sem tentar uma compreensão religiosa ritualística ou econômica da antropofagia entre os indígenas, vamos nos ater ao fat ela era comum aos grupos habitantes do Brasil a ponto de Métraux – La Religion des Tupinamba – dizer que os índios “a cada 20 ou 30 léguas, comem-se uns a outros”. 

Neste momento, interessa-me a descrição de uma cena antropofágica onde seguirei a feita por Fernão Cardim, assinalando que Anchieta assistiu em Iperoig a um desses espetáculos, em que a vítima foi o escravo do seu companheir “os Índios, como lobos, puxavam por ele com grande fúria, finalmente o levaram fora e lhe quebraram a cabeça, e junto com ele mataram outro seu contrário, os quais logo despedaçaram com grandíssimo regozijo, máximo das mulheres, as quais andavam cantando e bailando, umas lhe espetavam com paus agudos os membros cortados, outras untavam as mãos com a gordura deles e andavam untando as caras e bocas às outras, e tal havia que colhia o sangue com as mãos e o lambia, espetáculo abominável de maneira que tiveram uma boa carniçaria com que se fartar”.

A cena relatada surpreende-nos pelo inquestionável caráter prazeroso vivido por todos, mesmo que nos enoje. Para eles, a ocasião era vivida como um lauto banquete revigorante e extasiante, onde não faltavam cantos, danças e alegria, e que podemos mesmo reconhecer como uma grande festa nacional. Vale lembrar que as crianças são as vítimas preferidas, pela qualidade de seu corpo jovem – carne tenra e macia. Um costume tão agradavelmente assimilado não seria abandonado apenas pela influência dos jesuítas; foi necessária uma proibição legal, expedida fortemente por Mem de Sá, apoiado na “pena de morte” aos que a transgredissem. O governador deu a ordem de tal maneira que o canibalismo deixou de ser público e passou a ser vivenciado apenas nas aldeias mais distantes das Casas da Companhia ou do Governo.

Freud recorre ao canibalismo primitivo para compreender a passagem humana do patriarcado à fraternidade, uma vez que os filhos unidos se rebelaram ao pai enquanto o único com direito a todas as fêmeas do grupo e autoridade maior, à qual todos deviam obediência. Após o assassinato desta figura de poder absoluto, todos os presentes ingeriram da carne e do sangue do abatido, distribuindo assim o pecado e a culpa, donde retiramos o princípio da sociedade humana atual no pecado e na culpa compartilhada. 

(*) Psicóloga e psicanalista

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