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Apaixonar-se é uma forma de loucura?

Ilcéa Borba Marquez
ilcea@terra.com.br
Publicado em 08/05/2019 às 08:43Atualizado em 17/12/2022 às 20:33
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Pelo imaginário popular, costuma-se ver a vida principesca como alheia à restrição de qualquer ordem, ou seja, plena em todos os sentidos: amor, beleza, saúde, bens materiais, conforto e liberdade! Um pouco de informação sobre os limites sociais de várias épocas e grupos sociais mostra-nos a fragilidade destas assertivas. Como era a vida no século XV? Quais conquistas sociais eram vigentes de 1479 a 1555? Quais os papéis exigidos para homens e mulheres mesmo que reis e rainhas? Coloquei-me essas questões a partir da lembrança de uma rainha muito ligada à descoberta e desenvolvimento do nosso continente, conhecida pela alcunha de D. Joana, a Louca.

Nascida Dona Joana de Castela e Aragão, seus registros históricos falam do enclausuramento de quarenta e sete anos em Tordesilhas perpetrado por aqueles que compreendiam seu mais próximo grupo familiar e amoros marido, pai e filho. Os quadros que a representam bem como relatos de confessores e cartas foram usados como comprovação de uma estrutura psicótica ou bipolar ou ainda crise depressiva, em especial a obra de Francisco Pradilla ganhadora do prêmio Nacional de Madri de 1878. Nela, vemos D. Joana e sua corte em luto fechado ao lado do caixão contendo os restos mortais do seu marido D. Felipe, o Belo. Olhando atentamente a expressão fisionômica registrada pelo pintor reconheci a descrença e o estupor bem como a ausência do choro que seria a reação emocional esperada.

Os registros também descrevem uma viagem a Flandres por volta de 1498 onde são percebidos sinais de um possível desligamento da realidade quando ela se esquece de pagar os salários de seus servidores, como também um desinteresse progressivo pelos deveres e perda de ressonância afetiva que se acentuam com a primeira gravidez, transformando-se em embotamento afetivo. Sabe-se que D. Joana vive entre o amor e o ciúme rodeando-se sempre de damas da mais estrita virtude e, além disso, feias, enquanto ameaça de perda do mais invejado – o amor de seu esposo.

Após dois anos sem anormalidade aparente esta se renova, coincidindo com a separação de D. Felipe, a que os comentaristas costumam atribuí-la sem levar em conta que o pretexto para esta separação é o fato de D. Joana não poder empreender viagem, pelo estado avançado de sua quarta gravidez; e nas gestações e puerpérios costumam-se reativar surtos psicóticos, nas mulheres com predisposição. Os relatos mostram-na ausente, calada, sem disposição para agir ou falar, dando mostras de estar transportada... dias e noites recostada num almofadão, com o olhar fixo no vazio. Uma vida solitária, sem sentido, em observância restrita aos limites dos valores cristãos defendidos então.

Ilcea Borba Marquez

Psicóloga e psicanalista

ilceaborba@gmail.com

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