ARTICULISTAS

Arqueologia do ódio: O ódio pelo estrangeiro em si mesmo

A insistência do tema democracia nos textos e discussões contemporâneas criou uma enorme confusão

Ilcéa Borba Marquez
ilcea@terra.com.br
Publicado em 23/04/2019 às 18:53Atualizado em 17/12/2022 às 20:11
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A insistência do tema “democracia” nos textos e discussões contemporâneas criou uma enorme confusão que nos implora revelações. Ora lemos que em 1968 o grupo de rebeldes brasileiros em luta de guerrilha contra o governo estabelecido nada mais era do que uma luta armada contra a ditadura militar em defesa da “democracia”. Ora lemos que o novo governo eleito em 2018 defende o retorno à ditadura e nós, os brasileiros, devemo-nos unir para derrubá-lo do poder e, enfim, implantar a “verdadeira democracia do povo”. Ora lemos que os regimes totalitários de esquerda são ditaduras a exemplo dos governos cubanos, maoístas, stalinistas ou russos. Ora ouvimos depoimentos de historiadores afirmando o aspecto ditatorial e totalitário dos últimos 13 anos no Brasil. Em síntese precisamos conseguir diferenciar estes pares de opostos – esquerda/direita; democracia/ditadura; direitos do estado/direitos dos indivíduos. 

O texto de Diet, E – Domínio e perversão nas organizações sectárias - coloca um pouco de luz nestes difíceis temas ao abordar as novas seitas enquanto organizações grupais específicas com objetivos totalitários. Inicialmente define os grupos sectários como articulação sistêmica entre um guru, uma doutrina, um grupo, uma metodologia de recrutamento e de transgressões efetivadas como consequências lógicas da crença deles. A manipulação é colocada em ação de maneira sistemática pela produção de fantasmatizações impostas produzidas por roteiros dessubjetivados dessubjetivantes. Através da coerção e desqualificação impõe ao sujeito uma regressão a um registro narcísico arcaico, conduzindo-o a investir o guru, que é o seu opressor, como seu salvador. As diferenças fundadoras entre o humano e o não humano, os indivíduos, os sexos, as gerações e as culturas são metodicamente desqualificadas para instaurar o reino da certeza sem falta, dívida, conflito, nem filiação. Assim o sujeito só terá como recurso sua submissão aos pactos de renegação e sua entrada forçada na estrutura que sustenta o funcionamento do grupo a serviço da perversão narcísica do mestre.

Se toda instituição se refere a um texto fundador como sendo sua origem, seu fundamento e seu enquadre, a seita está sob o domínio de um discurso paradoxal infiltrado pelas contradições de um discurso alógico na dependência direta do querer do chefe. Um texto de referência sustenta o debate, o questionamento e a transformação; na seita ao espaço fundador da letra morta se opõe o assassinato da letra. O grupo sectário desqualifica qualquer forma de racionalidade impedindo definitivamente qualquer diferenciação dos contrários. 

(*) psicóloga e psicanalista

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