Meninos e meninas aprendem e inventam diferentes malabarismos, capazes de driblar as manifestações afetivas, ao dar-lhes sensação de controle gerencial sobre as vivências amorosas sempre percebidas como perigo para o Eu que pode ser arrebatado e assujeitado ao outro – objeto da paixão. Assim acontece no atualíssimo “ficar sério” onde tanto um quanto outro vive um relacionamento estável e fixo sem, no entanto, assumir namoro. Nos encontros, festas e baladas estão sempre juntos, e todos reconhecem neles o casal amoroso, mas na rede virtual mantêm o status de solteiros.
Um olhar capaz de ir além do aparente revela que meninos, nesta época da vida experimentando fortemente os benefícios da ilusão fálica, preferem a companhia dos amigos. Esta amizade se funda numa provável identificação imaginária entre “privilegiados” (aqueles que detêm a potência e o poder) estabelecendo um vínculo de cumplicidade masculina que também é cumplicidade entre mentirosos. “Os meninos mentem uns para os outros, sim, pois precisam esconder todo o sinal de fraqueza e incompletude para manter o pacto onipotente entre machos” (Kehl – 1990) Nesta época evitam fobicamente qualquer aproximação ou demonstração de interesse pelas meninas, apesar de direcionar este jogo de potência onipotente para elas.
A menina, também às voltas com o poder e a potência, espera encontrar com algum príncipe encantado a possibilidade de viver a ilusão fálica originada na fusão amorosa, sem perceber, entretanto, que ele só deseja evitar intimidades com ela. Nota-se então que o amor para a mulher tem um papel fundante não equivalente ao papel do amor para o homem. Para ela o amor tem um papel equivalente ao que tem a amizade para os homens.
Esta tão decantada amizade cúmplice e mentirosa entre os homens não é capaz, no entanto, de impedir que o menino se apaixone. Ele se apaixona a mando do desejo e sente este sentimento como derrota, como perda de poder. Inicialmente tenta escondê-la dos “outros”; depois tenta uma inversão transformando o desejo em confirmação fálica e não afirmação de falta. Seu truque consiste na tentativa de separação entre o desejo e o amor - se desejo “todas” é porque não sinto falta de você.
O desencontro entre menino e menina continua, agora sustentado por todo o ressentimento que o “Clube do Bolinha” foi capaz de gerar, e a menina se vinga ao negar qualquer necessidade de contato renunciando ao desejo. A defesa do homem é desejar sem amar, a da mulher é amar sem desejar ou ainda tentar, pela identificação com o agressor repetir o mesmo comportamento masculino que a feriu anteriormente, passando ela também a desejar sem amar!
Com tantos obstáculos é incrível que existam relações estáveis e intensas entre homens e mulheres, só explicáveis pela magnitude da força tendente à união, à reprodução e, principalmente à completude narcísica.
(*) Psicóloga e psicanalista ilceaborba@netsite.com.br