A inovação introduzida por João Emanuel Carneiro na dramaturgia
A inovação introduzida por João Emanuel Carneiro na dramaturgia através dos seus roteiros, dentre eles a Avenida Brasil é a criação de personagens complexos com leve inspiração em Dostoievski, como ele mesmo revela na entrevista à Veja, fugindo da tradicional dicotomia encarcerante vítima/carrasco que durante tanto tempo alimentou o sucesso de autores e atores ainda presentes no imaginário popular.
Desta vez, a heroína Nina apresenta características de personalidade nada suaves e românticas, mas sim uma ideia obsedante de vingança que provoca uma amargura no seu estilo de viver e revela um vazio interno inquietante que só podemos configurar como mortífero. Já sua parceira contracenante – Carminha – pratica atos de pura maldade, agressividade e sedução tirando até mesmo a vida daqueles que, porventura se interponham entre ela e seus objetivos de sucesso econômico e amoroso. Na trama apresenta características onipotentes utilizando para tanto do controle rígido sobre os outros, sedução e agressividade sem, no entanto, abrir mão das oportunidades de viver também o prazer e os amores. No decorrer da trama retira uma criança (seu próprio filho) do lixão e relata que também viveu nele!
As duas protagonistas responsáveis por impactos emocionais fortes todas as vezes que contracenam juntas - Nina e Carminha – têm provocado aceitação e rejeição do público até certo ponto surpreendente. Sendo Nina a vítima e Carminha a vilã esperava-se uma torcida de todos por Nina em sua vingança contra a malvada Carminha, no entanto, o público se identifica com a perversa Carminha e rejeita a sofrida Nina. Este comportamento dos telespectadores desencadeia questionamentos que a análise aprofundada dos personagens bem como a busca nos mitos literários e greco-romanos pode nos auxiliar.
Ártemis e Afrodite personificam Nina e Carminha, sendo a primeira uma virgem severa e implacável na sua vingança, capaz de alimentar seus cães com seus desafetos; a segunda, Afrodite, deusa da mais sedutora beleza, simboliza as forças irreprimíveis da fecundidade e é capaz de iludir até mesmo a Zeus, o maior dos deuses. Seu nome Carmem também revela a fonte de inspiração autoral e nos remete a ópera homônima: nela personifica uma fatalidade inquietante exercendo um poder maléfico sobre o homem. Enquanto a primeira vive como uma automata fixada no trauma e na vingança; a segunda vive, seduz, mata, ama, demonstrando ter poder de vida e morte sobre os outros... Não é à toa que todos preferem se identificar com a malvada Carminha do que com a mortífera Nina.
(*) Psicóloga e psicanalista