O amor enquanto fato ou sentimento está sempre na base do novo; em outras palavras, é sempre um caso de amor que dá início a uma nova vida. Assim aconteceu em 1890, perto da cidade de Belo Monte, aqui mesmo em Minas Gerais, quando a jovem Maria Senhorinha de Lima toma uma decisão plena de significado para ela e todos os seus descendentes: separa-se do marido indicado pela família e escolhe viver junto com Francisco Augusto Fernandes de Araújo, apelidado de Chico Fernandes, iniciando fecunda prole, fora da aprovação consentida da sociedade e da Igreja. Tal afronta social traz como consequência a excomunhão religiosa e a rejeição dos outros, estendidas aos filhos e gerações posteriores.
Da união de Francisco Fernandes Filho com Geraldina Maria de Jesus nascem 12 filhos e dentre eles Delina, que aos 16 anos se casa com o Pastor Anísio Pereira, 43 anos, fundador de uma nova seita protestante, denominada pelo mesmo como “Igreja Evangélica Noivas do Cordeiro”. A liderança do Pastor Anísio Pereira prima pelo rigor, defendendo às máximas consequências a oração, o jejum, a presença nos cultos diários, a vida em família, a ausência do controle de natalidade, a aparência recatada e estranha em tudo diferente dos outros não pertencentes.
O grupo, constituído na rebeldia às regras defendidas pela sociedade de então e pela religião católica vigente, por isso mesmo excomungado legalmente, isola-se e se fortalece através do rigorosíssimo Pastor Anísio, que dita leis e costumes altamente exigentes e acaba por constituir seita de adoradores e rezadores, sem tempo disponível para o plantio e cuidado de uma agricultura de sustentação; chegam a não ter o que comer e vestir, já que as cidades vizinhas não mantinham nenhum contato nem mesmo comercial.
As gerações se sucedem, até que em 1990 dá-se início a um movimento de rebelião dentro da própria comunidade “Noivas do Cordeiro”, que numa Festa de Casamento organizam música e dança para o acontecimento. A morte do Pastor Anísio, em 1995, propicia o surgimento de uma nova organização do grupo e o nascimento da Comunidade “Noivas do Cordeiro”, sem qualquer seita ou preceito religioso, sob a liderança civil de Delina, onde as mulheres cuidam do trabalho de arar e cultivar a terra, pastorear os rebanhos, alimentar e vestir seus integrantes, numa experiência verdadeiramente comunitária, liberando os maridos e companheiros para desenvolverem atividades profissionais na vizinhança e promoverem o comércio de bens, onde, gradativamente, as mulheres da comunidade introduzem seus produtos inicialmente artesanais e depois também industriais. Tudo isso após uma experiência bem sucedida de parceria em Escola de Informática com outra comunidade vizinha.
A segregação preconceituosa e, em seguida, religiosa vivida foi a base necessária para o ato criador, oportunizando inovação revolucionária, que no caso se materializou no nascimento do bem coletivo sob a liderança individualizada de uma mulher.
(*) Psicóloga e psicanalista