O Aurélio B. H. Ferreira informa-nos que “Abatedouro” significa: “o lugar onde se abatem reses para o consumo público, matadouro”. Quanto ao verbete “Abate”, encontramos: “ato ou efeito de abater animais para o consumo”. Coincidentemente, no morro carioca, abatedouro é o nome da casa ou local onde se dá o encontro sexual individual ou grupal, consentido ou não e cenário da mais recente violência praticada por um grupo de homens a uma jovem drogada e inconsciente! O desejo explica ou justifica este ato de estupro? O homem fogoso sente uma atração irresistível e incontrolável por um corpo inerte?
Alguns autores já publicaram suas opiniões: para Contardo Caligaris, o que conta no estupro é a violência e quando praticado em grupo é o próprio grupo, a mulher é apenas um pretexto. O ato de submeter ou subjugar, também presente nas lutas, guerras, invasões ou saques, tem como motor a violência experimentada enquanto fantasia que, pertencente ao mundo imaginário, é capaz de detonar o complexo de ações necessárias à própria realização.
O psicanalista Jorge Forbes, em consonância com Contardo Caligaris, também não analisa o estupro como a realização de um desejo por uma mulher. Para ele, aquele é um ato de narcisism os agressores, inseguros com o que lhes é diferente, tentam resolver isso através do domínio perverso. Em outras palavras: o amor incondicional a si mesmo, presente nos primórdios da vida afetiva sexual e conceituado pela noção de narcisismo, tenta eliminar as diferenças na expectativa de fazer surgir um mundo de iguais, um mundo uno (sob a égide do um que não admite complementaridade). Neste enfoque, o que se busca seria a eliminação do feminino por seu caráter de instaurar definitivamente o diferente.
Assim, a atração sexual que homem e mulher despertam e sentem um pelo outro não seria a responsável pelo ataque violento praticado, neste caso, pelos homens sobre uma mulher, e sim o desejo de poder e dominação de um sobre o outro. Não podemos nos esquecer, contudo, que esta jovem de 16 anos estava inconsciente. Qual fantasia é capaz de gerar tensão sexual por um corpo inerte? As drogas ingeridas, responsáveis pelo dormir sem sensações, proporcionaram uma morta/viva ou um cadáver para brincar? Para Caligaris, esta paixão pelo corpo morto poderia despertar a vontade de devorar, mas não violentar sexualmente. Pelo que foi exposto até agora, este estupro só se explica pela identificação dos agressores em relação à vitima: “eles se sentem muito machos bem na hora em que sonham ser estuprados”.
(*) Psicóloga e psicanalista