A questão do abuso sexual é hoje objeto de um investimento significativo em diversos setores sociais e culturais. Esse interesse está associado, em boa medida, ao combate à violência e à preocupação mais abrangente com o animal, a criança, a mulher e a família. O abuso sexual supõe a exploração de uma relação de poder sobre uns (crianças, animais ou mulheres) para a gratificação sexual de um outro (adulto ou criança mais velha). Talvez vocês estranhem o fato deste texto incluir o animal entre as vítimas de abuso sexual, mas isso se deve ao reconhecimento de que os maus tratos também se encontram entre as gratificações sexuais violentas por infligir dor ao mais fraco. O fator que define esta questão é a relação de poder e a incapacidade da criança, ou da mulher em dar um consentimento informado. E, todas as situações, inclusive com os animais, implicam numa traição da confiança depositada naqueles que, em oposição à vulnerabilidade do outro, detêm um conhecimento, capacidades e acesso maior aos recursos.
Alguns autores ingleses situam certo determinismo social no nível da sexualidade masculina como fator predisponente aos atos e ações abusivas sexualmente, tal com Glacer e Frosh membros do Lewisham and North Southwark Child Sexual Abuse de Londres. Para eles, a masculinidade tradicional tende à dominação, atitude que valoriza a competitividade e deixa de lado a intimidade. Existe também o temor à emoção, identificada como traço feminino. Esse medo da emoção faz com que o sexo seja sobre e sub-investido pelos homens. O sexo é um dos poucos modos aceitos pelos homens para aproximar-se dos outros, e, como tal, converte-se em portador de todos os desejos não-expressos que a ignorância emocional masculina produz. No entanto, esse mesmo poder da emoção faz com que ela se torne perigosa para os homens cuja identidade está construída sobre sua rejeição. O sexo, então, fratura-se, limitando à atividade do pênis, num ato mais do que num encontro.
A relação entre essa forma de masculinidade e o abuso sexual fica visível: o abuso, em geral, seria inerente a uma modalidade de organização da personalidade que rejeita a intimidade. O sexo como triunfo transforma-se facilmente em sexo como rejeição e degradação do outro.
Podemos conceber o adulto abusador como um indivíduo com essas características, apesar de se comportar em muitos aspectos de sua vida de forma pacata e até moralista, e que tem a particularidade de utilizar-se do poder para a realização de um ideal sexual onipotente e narcísico.
(*) Psicóloga e psicanalista