O público presente gargalhou e aplaudiu o humorista quando ele disse: O Brasil é um país estranho
O público presente gargalhou e aplaudiu o humorista quando ele disse: “O Brasil é um país estranh ele proíbe a industrialização de bolsa de couro de crocodilo e institui o Bolsa Família com o couro da Classe Média!” Este tipo de criação humorística, enquanto característica do homem e muito presente no dia-a-dia do brasileiro, produz resultado singular, uma vez que substitui a ação revolucionária nascida da insatisfação com algo da realidade produtora de certo sofrimento por um chiste – no caso o brasileiro faz humor, e não a guerra.
Há muito, Freud atentou para esta produção humana, que deu origem ao livr “Os chistes e sua relação com o inconsciente” (1905). O texto freudiano nos mostra que o humor é “uma das mais refinadas criações do intelecto, uma espécie de território livre em que o espírito do homem, apesar de toda a repressão eventualmente atuante, sente-se em liberdade para pensar e dizer.” (José Luis Meuer) Freud demonstra que os chistes se encaixam numa forma especial de comunicação interpessoal, uma vez que acontece então uma emissão e uma decodificação de inconsciente para inconsciente, que propicia prazer na liberação do afeto antes represado. Existe assim um aspecto de economia psíquica presente – a liberação de uma carga pulsional até então presa no sistema inconsciente por ser proibida de se tornar consciente pela expressão em palavras e uma consequente experiência de prazer verificada sempre que um conteúdo inconsciente encontra uma brecha de revelação.
As palavras são um material plástico que se presta a todo tipo de coisas. Há palavras que, usadas em certas conexões, perdem todo seu sentido original, mas o recuperam em outras conexões. Na expressão acima citada podemos descrevê-la como o caso de um duplo sentido, de um uso múltiplo das palavras, onde, exatamente como figuram na sentença, expressam dois significados diferentes, sendo um deles uma sátira a um fato social recorrente. As palavras tornaram possível uma crítica social que, de outra forma, estaria impedida de ser dita, por representar um pensamento hostil a algumas ações governamentais. Evitaram o obstáculo e assim extraíram prazer de uma fonte que o obstáculo tornara inacessível. Este, na verdade, nada mais é do que a incapacidade de alguns a receberem críticas ou a aceitação de pensamentos e opiniões contrárias às suas próprias.
(*) psicóloga e psicanalista