Há bem pouco tempo ninguém ousaria profetizar o que vivemos: nesta eleição presidencial a disputa acirrada acontece entre duas mulheres! Tempos modernos? Tempos diferentes? Pedido social? Apesar disso, tudo continua muito igual, basta acompanhar os horários políticos no rádio, na televisão, nos debates e nas notícias jornalísticas.
Recentemente, a candidata Marina se defendeu do ataque proferido pela candidata Dilma ao divulgar que se eleita ela acabaria com o Programa Bolsa Família utilizando, com maestria, o “apelo emocional”. Recordou cenas infantis onde sua família possuía apenas um ovo e um pouco de farinha e sal para alimentar 10 pessoas. Neste momento percebeu que seus pais não estavam participando da parca refeição e quando questionados retrucaram dizendo não estarem com fome! Só depois teve capacidade de compreender que eles deixavam de comer, apesar da fome, para que os filhos pudessem comer mais um pouquinho! Tudo isso foi dito, entre lágrimas contidas e embargos emocionais, provocando, no grupo de pessoas que ouviam, emoção verdadeira e até mesmo algumas lágrimas, só para afirmar em seguida que aquele que vive uma experiência de fome nunca acabará com um programa que leva alimento aos famintos!
Apesar dos palanques eleitorais também se prestarem a servir de palco para a atuação de exímios atores, estas falas parecem refletir melancolia como paixão pela miséria! Será que ainda sabemos, hoje em dia, o que é tristeza? Aquela que Esquirol chamou de “paixão triste”? Atualmente ainda conhecemos o significado das palavras tristeza e paixão? Enquanto a paixão vê-se cada vez mais relegada ao âmbito dos estados anímicos que acompanham os “ficar” a tristeza parece já não ter outra ressonância senão de indicadora de uma queda do humor abaixo do nível padrão que nos torna aptos a ocupar nossos postos de trabalho. Estamos assim muito distantes da herança de Aristóteles a Descartes, passando por Tomás de Aquino que considerava a tristeza uma paixão da alma e sem este significado não conseguimos compreender o que ele chama de misericórdia.
Para Tomás de Aquino, a misericórdia é o tipo de tristeza em que o sujeito toma a miséria sofrida por outro como um mal pessoal; ela é assim, o inverso da inveja, na qual o sujeito considera o bem do outro como seu próprio mal. Em outras palavras, a misericórdia, muito antes de se tornar uma virtude, ou de se confundir, no discurso consolatório do devoto, com o sentimento de piedade, era, fundamentalmente, uma paixão pela miséria. Assim analisamos os discursos eleitoreiros como uma tentativa de ocuparem, socialmente, o lugar do “quarto mundo” – aqueles que se exibem como os destroços do vínculo social organizado. Ao se apresentarem como vítimas infelizes ou seres a quem falta alguma coisa vital ou os objetos mártires, na verdade eles reivindicam a posse de algo essencial – uma ambição devoradora, um anseio virulento tal qual o de ser um líder.
(*) Psicóloga e psicanalista