Uma disposição básica da sociedade moderna é que o indivíduo tende a dormir, brincar e trabalhar em diferentes lugares, com diferentes coparticipantes, sob diferentes autoridades e sem um plano racional geral. Num presídio há uma ruptura nas barreiras que comumente separam estas três esferas da vida – dormir, brincar e trabalhar; assim, todos os aspectos da vida são realizados num mesmo local e sob a mesma autoridade, num grande grupo de iguais, onde todas as atividades diárias são rigorosamente estabelecidas em horários e tempos predeterminados, de acordo com um plano racional único. Em sociologia denominamos instituições totais, incluídos aí os conventos, os manicômios, e as cadeias. As portas fechadas, paredes altas, grades protetoras, arame farpado, fossos, água, floresta ou pântano enfatizam o caráter de “fechamento” destas instituições sociais, bem como pela barreira à relação social com o mundo externo e por proibições à saída. Para os internados a sensação experimentada é de estar trancafiado, quando o “sair” ou “ir para fora” só existe em determinadas situações e tempo específico.
O novato chega ao estabelecimento com uma concepção de si mesmo, resultado de disposições do seu mundo doméstico e social. Ao entrar é imediatamente despido do apoio dado por estas disposições. O seu Eu é sistematicamente mortificado pela série de atividades iniciáticas e pelas proibições de visitas e saídas. O processo de admissão se inicia pela redação de uma história de vida, pelas fotos captadas, pela aferição de peso, altura e impressões digitais, pela atribuição de um número, pela perda dos bens em posse, pelo desnudamento, pelo banho desinfetante, pelo corte dos cabelos, pela distribuição de roupas da instituição, pela instrução sobre as regras institucionais e pela designação da cela. A cooperação do novato é conseguida pelos “testes de obediência” ou até mesmo por um desafio de “quebra de vontade”. O processo de admissão é uma despedida e um começo e a nudez marcaria o ponto médio. Dentre as perdas de posses a mais significativa é a perda do próprio nome ou a forma pela qual será chamado a partir de então, uma vez que perder o nome próprio é a maior mortificação para o Eu.
As mortificações egoicas e perdas cumprem a função de desconstrução, já o processo inverso construtivo acontece nas instituições totais com a oferta de objetos de substituição que objetivem o restabelecimento dos mecanismos autorreguladores próprios, encontrados nas regras de premiações e castigos internalizadas durante o processo de reclusão. Mas, parece que logo depois da liberação o ex-internado se esquece de grande parte do que era a vida na instituição e, na junção do status proativo ou estigma, se esconde a possibilidade positiva ou negativa da experiência de reclusão.
(*) Psicóloga e psicanalista