Algumas cenas da vida de Arnaldo Dias Baptista, um dos componentes do grupo “Os Mutantes”, são paradigmáticas de uma época e reveladoras do que sempre se pretendeu ocultar: os efeitos devastadores decorrentes da ingestão de substâncias de atuação excitante cerebral tais como – LSD, cocaína, maconha e muitas outras.
Começamos pela excelência dos resultados alcançados na vida escolar a ponto de manter sempre o primeiro lugar na classificação geral da escola, o que comprovava seu alto nível intelectual bem como disciplina e dedicação às suas tarefas imediatas que podemos ampliar como responsabilidade na condução da sua vida, fato, aliás, lembrado e utilizado como referência por seu irmão Sérgio quando fala sobre ele.
O reconhecimento nacional dos três: Arnaldo, Rita e Sérgio aconteceu a partir da participação no III Festival da Música Popular Brasileira, em 1967, junto de Gilberto Gil que defendia sua composição - Domingo no Parque. Os Mutantes entraram como uma inovação introduzindo a guitarra elétrica do Rock’n Roll Brasileiro nos arranjos musicais daquela que obteria a aprovação popular e o segundo lugar no referido festival. Este também marcou o nascimento do Tropicalismo – um novo movimento da música popular brasileira – tendo como expoentes Gilberto Gil, Caetano Veloso, Os Mutantes, Gal Costa, Bethânia e outros.
Como o próprio nome sugeria – Os Mutantes – o grupo propunha mudanças na música e no estilo de vida da juventude convidada a utilizar o LSD a partir da crença difundida então de que o ácido ampliava a capacidade criativa visto as fantasias/viagens produzidas pela droga no seu efeito. Arnaldo experimentou e progressivamente perdeu o controle sobre estas ingestões atolando-se no consumo. É fácil supor que o sucesso do grupo estava na dependência direta de criar o novo, na irreverência tanto comportamental quanto produtiva, no questionamento social, na busca de valores diferenciados, em tudo aquilo que ainda não tinha sido feito e vivido. A ordem para continuar na trilha do sucesso tinha a ver com uma capacidade crescente de conseguir o improvável, de executar como ninguém tinha feito antes. Inspirados em outros grupos de rock eles passaram a viver numa dieta de LSD e a tocar um rock progressivo experimentando sempre o hibridismo musical numa busca obstinada de um contato cada vez maior com a parte obscura da personalidade, aquela que não estava acessível facilmente à consciência, e onde a originalidade acontecia. Estas experiências provocaram em Arnaldo a irrupção total do inconsciente sobre a consciência, vindo a apresentar atitudes inicialmente vistas como excentricidades e posteriormente acusadas de delírios. Assim Arnaldo Baptista afastou-se do grupo, seu perfil já não se enquadrava, depois houve a ruptura total... Finalmente as internações psiquiátricas, a tentativa de suicídio com sequelas irreversíveis. De seu álbum solo a música, título deste artigo, considerada como emblemática.
(*) Psicóloga e psicanalista