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Colapsos sociais

A descrição de um agressor violento por sua vítima inclui sempre o olhar

Ilcéa Borba Marquez
ilcea@terra.com.br
Publicado em 23/04/2014 às 19:49Atualizado em 19/12/2022 às 08:06
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A descrição de um agressor violento por sua vítima inclui sempre o olhar vermelho de ódio que perpassa a pessoa e um olhar verde de inveja que também atravessa sua presa, isso porque tanto o ódio quanto a inveja não se dirigem à vítima em especial antes de mais nada é um ódio invejoso, existente no mundo interno do agressor e primariamente atado ao próprio eu, que se liga momentaneamente ao outro apenas para conseguir liberação e descarga. Sentimentos pré e pós-existentes que necessitam representações psíquicas capazes de ligações mesmo que momentâneas. Assim temos facilitado nosso entendimento da sucessão infindável de violentados: parece que o homem está desesperado de viver e tenta agarrar-se aos sucedâneos mais enganadores para vencer o próprio medo que os terrores da existência nele semeiam – fenômeno facilitado pelo uso de substância estimulante que permite explosões também de ódio.

Uma das indagações frequentes daqueles que sofrem violências sociais refere-se ao “Por que eu?”, apenas para concluir depois que a eleição foi fortuita, e não determinada, uma vez que os sentimentos que impulsionam o agressor pertencem ao sujeito e apenas num segundo tempo são expressos através do outro que se apresentou no espaço/tempo da ação substanciada pelo uso de estimulantes psíquicos lícitos ou ilícitos.

Retomando ao relato das vítimas de violência, verificamos que o adolescente quase sempre está presente nos grupos violentadores. Os profissionais que atuam com os adolescentes percebem a facilidade com que eles permitem o aliciamento drogadito, fato explicável pelas próprias características desta etapa do desenvolviment a adolescência é, de um lado, idade de iniciação, e de outro, época da busca pela solidariedade; ela é o momento por excelência do mergulho mítico, místico e mistificante na droga. Esta não está mais circunscrita à prática individual, bem ao contrário, ela se tornou partilha, e o acesso aos seus ritos é marcado pelo sinal da solidariedade: ao se drogar, o indivíduo entra no universo dos outros. Ela não fica à espera de que a procurem, mas se oferece, torna-se sedutora, estende-se como um tentáculo, ela se torna comunhão, que acaba por se impor como servidão.

Ninguém hoje é capaz de negar a crise de civilização que vivemos com total inversão dos valores estruturantes de antes, a ponto de se apresentar como mundo do absurdo que explode por todos os lados – na política, na Justiça, na educação. Os ideais que sustentavam sonhos se tornaram inatuais e os pais de agora vivem a angústia de ser torpedeados por questões que lhes impõem silênci Por que eu preciso me esforçar, se o sucesso não está mais na meritocracia? Se a Justiça não pune os injustos? Se os governantes não buscam o bem comum? Todo adolescente se tornou objeto de tal pressão e é por assim dizer um candidato natural à toxicomania, a um presente sem futuro e sonhos!

(*) Psicóloga e psicanalista

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