Tendo acontecido em 22 de novembro de 1963, o assassinato de John Kennedy completou cinquenta anos neste novembro último e provocou uma inundação de representações cinematográficas sobre o tema bem como reedições de títulos sobre a família fazendo-nos retornar aos anos cinquenta e sessenta nas suas particularidades estruturantes e definidoras: valores, costumes e ideais. As fitas amadoras e familiares dão-nos a exata medida destes jovens que jogam futebol, nadam, cavalgam, viajam mundo afora ao mesmo tempo em que lutam pela concretização do seu projeto de vida. A já numerosa Família Kennedy exibe sempre uma alegria contagiante, um prazer em viver de forma plena na intimidade do seu círculo de amigos e parentes, seguindo os rituais de uma juventude que explode em humor, atividade física, competições esportivas tendo sempre o mar e a piscina como ancoragem. Os filmes exibidos revelam o princípio básico de uma geração – a vida deve ser vivida com o máximo de prazer, alegria e bom-humor! No entanto não existe sociedade em que o sofrimento não se apresente como um fato de “cultura” fundador de valores morais; e é impossível, quando observamos o funcionamento psíquico, não levar em conta esta dimensão e vocação da espécie humana para valorizar o sofrimento e a infelicidade. Parece que a instauração do “sofrer” de um “mal-estar” permanente resultante dessa elaboração, constitui, então, para o sujeito um de seus bens mais preciosos e um de seus laços mais sólidos com a vida. Não é à toa que todos os ritos de iniciação valorizam e instituem como uma passagem que marca a entrada na vida adulta, religiosa ou institucional a função identificante do sofrimento.
Assim precisamos esclarecer o sofrimento inicialmente diferenciando-o da dor. Esta implica necessariamente o corporal, seu disfuncionamento penoso na realidade, geralmente vivido como independente da vontade do sujeito. O sofrimento, pelo contrário, remete mais claramente ao psíquico e ao moral: seu índice de realidade tangível não é objetivável nem mensurável, e o desejo sempre pode encontrar aí seu lugar. Mas, tanto o sofrimento quanto a dor conotam a sujeição, o não controlável, e podem, por momentos, confundir-se ao atingirem um ponto extremo de intensidade. Por outro lado nenhum sujeito pode viver na falta de um prazer necessário para que a vida seja possível e prazer suficiente para que um sujeito escolha este possível no risco daquele apresentar-se como uma experiência de sofrimento.
Voltando aos Kennedys, vimos também como a tragédia marcou a trajetória de todos e de cada um: o autoritarismo paterno, uma lobotomia desastrosa, a dor extrema de uma doença sem perspectiva de cura, um derrame paralisante, os assassinatos em série! Os filmes que assistimos mais parecem rituais orgiásticos de espírito quimérico!
(*) Psicóloga e psicanalista