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Criminalidade e loucura: enlace impossível?

Para Foucault, os discursos médicos e jurídicos, acompanhando o processo evolutivo cultural, sofreram mudanças significativas a partir...

Ilcéa Borba Marquez
ilcea@terra.com.br
Publicado em 03/08/2018 às 10:18Atualizado em 20/12/2022 às 14:09
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Para Foucault, os discursos médicos e jurídicos, acompanhando o processo evolutivo cultural, sofreram mudanças significativas a partir da Idade Clássica até os tempos atuais. Se anteriormente o patológico desalojava a criminalidade nos termos da lei, atualmente o Poder Judiciário se alia ao poder médico e solicita sua parceria nas decisões judiciais quando o juiz leva em conta, além do crime, a pessoa que se apresenta ao julgamento.

Entre estes dois momentos encontramos decisões judiciais estranhas, que podem ser reconhecidas como decisões de passagem: tendo culpabilizado o réu, o encaminha para um hospital psiquiátrico por ser doente. Percebe-se uma mudança significativa na postura jurídica porque, agindo dessa forma, demonstra levar em conta um certo parentesco ou pertinência entre loucura e crime.

Um olhar mais regressivo nos levaria à época das punições religiosas num tempo de poder absoluto exercido, em nome de Deus, através dos seus representantes terrenos sobre os homens. Época em que a Igreja estabeleceu um código de postura ética/religiosa que normatizava os comportamentos e previa inquisições e expiações até mesmo mortíferas aos dissidentes. Assim, nos deslocamos ao século XVIII, principalmente na Espanha e Portugal, onde este movimento religioso tinha todo o apoio monárquico. Nesse momento histórico percebemos o poder religioso soberano tamponando o poder judicial e o médico que expulsava e matava todos que se acreditava representarem um perigo à soberania autoritária e inquestionável da fé cristã.

Pode parecer que na verdade não existe diferença significativa entre os poderes jurídico, religioso e médico, porque um interrogatório pericial se assemelha ao interrogatório inquisicional, ou um internamento psiquiátrico não se revela contrário ou contraditório à exclusão penal. Mas, uma análise cuidadosa revela suas diferenças: a inquisição religiosa se distingue da judicial na determinação dos seus réus: a primeira elegia “culpados” a partir de uma ideia ou de uma certa crença filosófica; o judicial a partir de uma inflação ao Código Civil aceito e compartilhado por todos que compõem um grupo ou grupamento social; e o médico se diferencia na penalidade porque busca não só a exclusão, mas também a cura; aqueles são expiatórios e o outro é terapêutico. O que nos questiona e ameaça, no entanto, não são as várias formas de poderes, mas aqueles que não se encontram submetidos a nenhum deles!

(*) psicóloga e psicanalista

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