Quase sempre o almoço dominical familiar é na casa da vovó, mas naquele dia o encontro aconteceu num grande restaurante. O pai de Gabi foi o primeiro a chegar e logo escolheu a mesa, combinando com o garçom o número de pessoas esperadas. De uma forma bastante apressada, talvez ansiosa, chegaram em seguida Gabi e sua mãe. Esta carregava uma mochila cor de rosa e Gabi trazia na mão uma revista tipo passatempo, que ela olhava interessadamente.
Nesses seus cinco anos, Gabi aprendeu a não se importar com a pressa materna e assim seguia atrás, bem à vontade, com sua revista à mão e na outra o pequeno penal. Logo que se sentaram, a mãe começou a retirar da mochila cor de rosa todo o material que Gabi usaria com seu passatemp lápis preto novinho, lápis coloridos, canetinhas e borracha. Imediatamente, Gabi, que usava um lindo vestido laranja, deu início às suas atividades, demonstrando possuir atenção concentrada suficiente a ponto da movimentação no entorno não comprometer seu envolvimento com o que fazia. Na primeira folheada foi perguntando à mãe o nome dos personagens que apareciam. Mesmo já frequentando a escolinha, Gabi não sabia ler, o que não a impedia, no entanto, da correta apreensão dos lápis, dos movimentos para seguir um caminho ou simplesmente colorir.
Outros membros da família chegaram: a vovó, o vovô, a tia com o namorado, provocando uma reorganização do espaç os homens se posicionaram num canto da mesa e as mulheres no outro oposto. Os recém-chegados trouxeram muita alegria a Gabi, que abandonou sua cadeirinha especial, interagindo com cada um. Da sua mochila surgiram batons, que ela aplicava em cada uma presente e, também, solicitava que lhe aplicassem. A pequena Gabi era a dona da festa, circulava livremente e à vontade, dando pequenos pulinhos, plena de felicidade.
Mas, como nada é perfeito, um casal de retardatários chegou trazendo outra criança, um menino mais novo, talvez com dois aninhos, no colo da mãe, e, apesar de se vestir como um pequeno mocinho, tinha uma grande chupeta na boca, segura também na gola da camiseta polo. A mãe se sentou e manteve a criança presa no colo, sugando ferozmente a grande chupeta. A mudança no comportamento da Gabi foi imediata e visível: entristeceu-se, pediu o colo da avó, passando a observar a criança e demonstrando desejar ardentemente uma liberação para as brincadeiras. A permissão não foi dada, ao contrário, cada vez mais a mãe virava o corpo até atingir um ponto de perfil, de forma que o menino ficasse firmemente seguro pelo braço esquerdo e o direito estrategicamente colocado entre ele e a pequena Gabi – um verdadeiro muro de contenção. A interação estava proibida, o pequeno, imobilizado, e Gabi, muda, abatida, muito triste.
Um grande símbolo da maternidade é a ponte: aquela que liga continentes, possibilitando a dupla passagem – o ir e vir, sem riscos de perdas.
(*) Psicóloga e psicanalista