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Dá pra não ser mãe?

Quase sempre o almoço dominical familiar

Ilcéa Borba Marquez
ilcea@terra.com.br
Publicado em 08/05/2013 às 20:14Atualizado em 19/12/2022 às 13:12
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Quase sempre o almoço dominical familiar é na casa da vovó, mas, naquele dia o encontro aconteceu num grande restaurante. O pai de Gabi foi o primeiro a chegar e logo escolheu a mesa combinando com o garçom o número de pessoas esperadas. De uma forma bastante apressada, talvez ansiosa, chegaram em seguida Gabi e sua mãe. Esta carregava uma mochila cor de rosa e Gabi trazia na mão uma revista tipo passatempo que olhava interessadamente.

Nesses seus cinco anos Gabi aprendeu a não se importar com a pressa materna e assim seguia atrás, bem à vontade, com sua revista à mão e na outra o pequeno penal. Logo que se sentaram, a mãe começou a retirar da mochila cor de rosa todo o material que Gabi usaria com seu passatemp lápis preto novinho, lápis coloridos, canetinhas e borracha. Imediatamente, Gabi, que usava um lindo vestido laranja, deu início às suas atividades demonstrando possuir atenção concentrada suficiente a ponto da movimentação em torno não comprometer seu envolvimento com o que fazia. Na primeira folheada foi perguntando à mãe o nome dos personagens que apareciam. Mesmo já frequentando a escolinha Gabi não sabia ler, o que não a impedia, no entanto, da correta apreensão dos lápis, dos movimentos para seguir um caminho ou simplesmente colorir.

Outros membros da família chegaram: a vovó, o vovô, a tia com o namorado, provocando uma reorganização do espaç os homens se posicionaram num canto da mesa e as mulheres no outro oposto. Os recém-chegados trouxeram muita alegria a Gabi que abandonou sua cadeirinha especial interagindo com cada um. Da sua mochila surgiram batons que ela aplicava em cada uma presente e também solicitava que lhe aplicassem. A pequena Gabi era a dona da festa, circulava livremente e à vontade dando pequenos pulinhos plenos de felicidade.

Mas, como nada é perfeito um casal de retardatários chegou trazendo outra criança: um menino mais novo, talvez com dois aninhos, trazido no colo da mãe e apesar de vestir-se como um pequeno mocinho tinha uma grande chupeta na boca segura também na gola da camiseta polo. A mãe se sentou e manteve a criança presa no colo sugando ferozmente a grande chupeta. A mudança no comportamento da Gabi foi imediata e visível: entristeceu-se, pediu o colo da avó passando a observar a criança e demonstrando desejar ardentemente uma liberação para as brincadeiras. A permissão não foi dada, ao contrário, cada vez mais a mãe virava o corpo até atingir um ponto de perfil de forma que o menino ficasse firmemente seguro pelo braço esquerdo e o direito estrategicamente colocado entre ele e a pequena Gabi – um verdadeiro muro de contenção. A interação estava proibida, o pequeno imobilizado, e Gabi muda,  abatida, muito triste.

Um grande símbolo da maternidade é a ponte: aquela que liga continentes possibilitando a dupla passagem – o ir e vir sem riscos de perdas.

 

(*) Psicóloga e psicanalista

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