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Da pura ilusão ao conhecimento

Conhecidas como noivas do diabo e qualificadas

Ilcéa Borba Marquez
ilcea@terra.com.br
Publicado em 14/08/2013 às 20:18Atualizado em 19/12/2022 às 11:36
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Conhecidas como “noivas do diabo” e qualificadas também como “pura ilusão”, o que se reprovava afinal nas feiticeiras? Bastava às vezes ser ruiva ou viúva, vivendo solitária, sem uma ligação oficial de matrimônio com um homem, numa pequena e pacata cidadezinha do interior para se tornar perigosa: desestabilizadora da precária ordem de um grupo social oprimido pelos poderes políticos e sem perspectivas de mudanças significativas de status social, cultural e econômico. Aquelas eram então denunciadas e, posteriormente condenadas à fogueira!

A total ausência de um saber adquirido e autorizado pela ciência ensejava a manutenção de saberes paralelos, normalmente assentados sobre uma mulher – a feiticeira, a quem todos os queixosos e doentes se dirigiam na expectativa de alívio das dores tanto do corpo quanto da “alma”. Assim cada região, cada cidade, num misto de respeito e medo, obedece e solicita a velha silenciosa e solitária, que transporta feixes de lenha, colhe plantas, cuida dos corpos e perturba os espíritos. Essa “mãe natureza” é a curandeira, a parteira que durante mil anos atuou como o único médico disponível para os grupos interioranos. Por ser exercido por uma mulher este saber paralelo e popular se torna ainda mais marginal.

A feiticeira mora numa gruta, ou em algum refúgio da floresta, ou então numa casa pobre, escura e suja, onde ninguém penetra. Dessa maneira sua intimidade e seus segredos ficam protegidos. A feiticeira fala de amor às moças solteiras, revela certos segredos às mulheres estéreis e faz aborto escondido naquelas que não querem ser apontadas em público...

Quando a doença, a fome e a miséria batem às portas dos vilarejos, a feiticeira é o outro, a mulher, o vizinho, alguém que possui ainda alguma coisa quando já não se tem mais nada, alguém que foi poupado. A feiticeira torna-se então o núcleo, o centro de tudo o que não se pode compreender ou admitir. Ela atrai o sofrimento, o medo, o ódio; já não é mais um ser vivo pertencente a uma comunidade, mas a expressão, a causa da desgraça que se abate sobre cada um. O medo expulsa toda a lógica, toda a razão, para só reter o drama.

Para Yung as feiticeiras seriam a projeção do aspecto feminino primitivo que subsiste no inconsciente do homem (anima masculina); para as mulheres a feiticeira é a versão fêmea do bode expiatório, sobre a qual todos transferem os elementos obscuros de suas pulsões. A feiticeira é a antítese da imagem idealizada da mulher, está em oposição direta à imagem da mãe de Deus – aquela que concebeu por intervenção do espírito santo, portanto sem pecado original. Está ligada ao feminino onde reencontra não somente práticas de um saber feminino tornado “tabu”, mas também o misterioso poder ligado ao “dito” e ao “não dito”.

(*) Psicóloga e psicanalista

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