ARTICULISTAS

Decifra-me ou te devoro

A retrospectiva deste ano – 2010 – impõe o tema da violência, fator sempre presente no nosso social

Ilcéa Borba Marquez
ilcea@terra.com.br
Publicado em 29/12/2010 às 21:06Atualizado em 20/12/2022 às 02:25
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A retrospectiva deste ano – 2010 – impõe o tema da violência, fator sempre presente no nosso social e, agora, atacado de frente pelo Exército Brasileiro, em parceria com as polícias, neste caso, as do Rio de Janeiro. “Decifra-me ou te devoro” é o desafio feito a Édipo pela Esfinge, e é também o desafio feito a todos nós, que precisamos nos armar para defesa premente, utilizando instrumentos teóricos e psicanalíticos para compreensão da natureza dos processos inconscientes envolvidos na formação e no desenvolvimento de grupos violentos, bem como na dinâmica dos grandes grupos a ele relacionados.

A violência coletiva não é uma novidade, basta lembrar-nos de toda a história dos séculos anteriores, quando as revoluções nacionais, os ataques de fronteiras internacionais e suas guerras mundiais se mostraram em toda a crueza das agressões, dos assassinatos em massa, dos estupros e das violações de todos e quaisquer direitos anteriormente assegurados.

A guerra e o ato terrorista não são apenas gestos destrutivos, são atos políticos baseados numa lógica que expressa de forma dramática ou teatral uma mensagem de justiça ou de redenção coletiva. São fenômenos que envolvem questões ligadas à psicologia dos seres humanos: ódios, humilhações, desenraizamentos, diferenças de gênero ou religião, desvantagens econômicas; envolvidos na total impossibilidade de compreender e aceitar o OUTRO e D´OUTRO enquanto estrangeiredade e estranheza. As sociedades traumatizadas regridem como um todo, facilitando identificações intensas entre seus membros, projeções massivas da própria agressividade em outro grupo rival e fenômenos de transmissão psíquica. Dentro desta perspectiva é possível afirmar que o narcisismo das pequenas diferenças fica potencializado, levando os grandes grupos a uma homogeneização intensa, a uma intolerância à diferença e a um funcionamento pré-edípico, que facilita a escolha de líderes com características psicopáticas ou narcísicas, em torno dos quais se estabelece uma fé cega em sua liderança.

A leitura do livro de Antony Beevor – Berlim 1945: A Queda – explicita estes comentários ao situar os horrores infligidos aos combatentes e sociedades civis envolvidos naquele conflito mundial, quando todos os tipos de atrocidades e barbáries foram cometidos em nome de um revanchismo insensato dos germânicos sobre o mundo, inclusive os próprios germânicos. Foram estas as palavras proféticas de Hitler: “Dêem-me 10 anos e não reconhecerão a Alemanha.”

(*) psicóloga e psicanalista

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