É sempre com perplexidade que recebemos a notícia de mais um assassinato da esposa
É sempre com perplexidade que recebemos a notícia de mais um assassinato da esposa pelo próprio marido! Surpreende-nos pensar que a mãe dos filhos – que deveriam nascer do amor entre eles –, a companheira eleita um dia para dividir uma vida nas suas alegrias e tristezas, aquela que até então compartilhou o mesmo leito e que em muitas ocasiões deu e recebeu o carinho, os abraços e o prazer daquele que depois se torna seu carrasco/executor! Como bem disse Rabinowicz: “Curioso sentimento o que nos leva a destruir o objeto de nossa paixão.” É bem verdade que paixão não é amor; e que o ódio também está presente numa relação amorosa, mas, neste caso o que imperou foi tão somente o hediondo desejo de posse que no seu ápice compreende possuir na morte.
Eluf, L.N. (2002), a partir dos estudos que fez sobre “crimes passionais”, delineia o perfil do passional: “é homem, geralmente de meia idade (há poucos jovens que cometeram o delito), é ególatra, ciumento e considera a mulher um ser inferior que lhe deve obediência ao mesmo tempo em que a elegeu o “problema” mais importante de sua vida. Trata-se de pessoa de grande preocupação com sua imagem social e sua respeitabilidade de macho. Emocionalmente é imaturo e descontrolado, presa fácil da “ideia fixa”. Assimilou os conceitos da sociedade patriarcal de forma completa e sem crítica.”
Assim compreendemos que: o homem de meia idade atravessa um período de perdas significativas – perda da juventude, da beleza, da potência e da perspectiva de futuro. Ser ególatra é ter-se como centro do universo; é também não querer saber do outro na sua alteridade e demanda. Ser ciumento é ser imaturo afetivamente, é viver um incômodo e profundo sentimento de inferioridade, que o leva a sentir-se incapaz de manter o amor e o domínio sobre a pessoa com quem se relaciona, bem como vencer ou afastar qualquer possível rival. Brito Alves nos diz ainda que “o ciumento considera a pessoa amada mais como objeto que verdadeiramente como pessoa, no exato significado desta palavra. Esta interpretação é característica do delinquente por ciúme.”
Em Nietzsche encontramos que “todo grande amor faz nascer a ideia cruel de destruir o objeto desse amor, para o subtrair para sempre ao jogo sacrílego das mudanças, porque o amor teme mais as mudanças do que a destruição”; e a morte é estatizante. Ao mesmo tempo convém lembrar que ter o desejo da imutabilidade não é agir destruindo, uma vez que todo amante necessita visceralmente da presença do amado.
(*) psicóloga e psicanalista