Muitas discussões se organizam em torno destes temas éticos: o bem e o mal, buscando esclarecer os conceitos, seus limites e características diferenciadoras de suma importância para a compreensão profunda do ser humano enquanto ser moral. Carl Gustav Jung, psicanalista do primeiro grupo vienense e filho de pastor, interessou-se pelo estudo das religiões orientais e ocidentais, aprofundando sobremaneira seu conhecimento e deixando-nos legado extenso nos seus escritos que norteiam este texto.
Para falar sobre o bem e o mal temos que partir de duas imagens que também são dois símbolos religiosos: Jesus e Satanás. Sobre este último sabemos que sua figura passou por uma estranha evolução, desde seu primeiro e obscuro aparecimento nos textos do Antigo Testamento, até um verdadeiro florescimento no seio do cristianismo, onde se tornou a personificação inegável do mau e adverso, em decorrência da concepção de Deus como “todo bem”. Neste processo evolutivo, Cristo foi concebido como a mão direita de Deus e Satanás, a esquerda; ou ainda este seu filho mais velho e aquele o mais novo. Entre os Cátaros, doutrina religiosa que floresceu no século XI, em muitos lugares da Europa acreditava-se que este nosso mundo tinha sido criado pelo Diabo e não por Deus; assim seus adeptos viviam reclusos em conventos em restrita observância de uma vida simples de devoção, sem riquezas e nem tão pouco prazeres de qualquer ordem, em preparação constante para o tempo que atingiriam o outro verdadeiro mundo criado por Deus.
Nesta evolução a figura de Satanás atingiu um lugar proeminente ao representar o princípio individualista: “Todo bem provém de Deus e todo o mal provém do homem”, em clara sobreposição ao “si-mesmo”. A ideia do Diabo - capaz de tudo - tornou-se assim a encarnação do processo de individuação humana: “o homem todo”.
O advento do Iluminismo levou a uma cisão entre a Ciência e a Fé, e a figura do Diabo foi relegada a um plano segund a sombra do herói esforçado, passando a fazer parte desde então ao campo de interesse da psicologia. A partir daí o símbolo Diabo se identifica com a consciência individual, transformando-a e influenciando-a segundo suas tendências e ocasionando uma inflação do eu. Através de Nietzsche reencontramos a simbologia do Diabo identificado à consciência individual inflacionada (o super-homem) na Psicologia Política com todas as consequências decorrentes de uma tal dominação.
Como os indivíduos humanos não estão separados uns dos outros por compartimentos estanques, esta inflação infecciosa se alastrou de maneira geral, produzindo uma insegurança moral e ideológica verdadeiramente notável.
(*) Psicóloga e psicanalista