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Em busca das causas

Há muito sabemos que nós não temos instintos. Estes fazem parte do mundo animal. O homem é o Ser-de-desejo, o que equivale a dizer que somos movidos por desejos

Ilcéa Borba Marquez
ilcea@terra.com.br
Publicado em 27/01/2010 às 19:21Atualizado em 17/12/2022 às 05:55
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Há muito sabemos que nós não temos instintos. Estes fazem parte do mundo animal.  O homem é o Ser-de-desejo, o que equivale a dizer que somos movidos por desejos. A diferença entre as necessidades instintuais e os desejos é que os primeiros podem ser satisfeitos com a ação adequada: a ingestão de alimentos aplaca a fome; os segundos, pela interferência da linguagem, não apresentam uma ação adequada que os satisfaça; assim uma fome compulsiva pode, na realidade, ser satisfeita pela vivência do amor. A única condição em que nada falta e, portanto, em que não há mais desejo é a morte.

A sexualidade humana também se apresenta diferente da do reino animal. Ela é feita de linguagem, o que nos distingue dos animais. Somos o que as palavras e a ausência de palavras fazem de nós. Somos também o que fazemos com elas. Uma mulher, ao se tornar mãe, pode excluir a paternidade e pôr o filho no lugar do que lhe falta. É plausível que esse encaixe se aproxime da perfeição e que esse filho fique aprisionado. É o incesto. Édipo é uma vítima ilustre.

Uma incursão aos mistérios dos silêncios familiares, através da análise da tragédia de Édipo, leva-nos a descobrir o nosso corpo imerso num oceano de palavras, de linguagem. A imagem que temos do nosso corpo não coincide com a soma dos nossos órgãos. Palavras, pensamentos, lembranças, sonhos e fantasias atuam sobre o nosso corpo e determinam mudanças, transformações. A frase dita por alguém, as letras do texto de um livro, a cena projetada na tela são conjuntos de símbolos, blocos de linguagem processados pelo nosso psiquismo, que interage com o organismo. Um evento psíquico determina em vários órgãos uma infinidade de reações químicas, que resultam na vertigem, no rubor, na palpitação. Uma palavra pronunciada que rompe o silêncio por um instante e, em seguida, se desfaz causa uma secreção hormonal material, concreta e mensurável. Isto se deve ao fato de que nosso corpo foi marcado, em definitivo, eroticamente, pelos cuidados maternos. Desde então, tornou-se prisioneiro destas marcas, que, como símbolos mnêmicos, desencadeiam ações e emoções de forma automática, o que nos leva muitas vezes às experiências incompreensíveis e à angústia paralisante do não saber, da ausência de palavras que deem sentido racional ao que foi determinado por outra razão e, então, pertence a um outro campo, como por exemplo à história vivida.

O corpo não é um objeto à deriva, vítima de fenômenos naturais. É propriedade de um sujeito que o marca, a partir de sua história, de suas angústias, do que foi incapaz de compreender. É assim que atribuímos às nossas doenças um nome e um sentido. Construímos uma teoria pessoal sobre sua causa. Se isso nos dá a impressão de conhecimento e domínio, também nos afastamos dos reais motivos.

(*) psicóloga e psicanalista

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