Há muito a esfinge lançou-nos um enigma que, revelado, decifraria a verdade humana. Desde então, seguimos buscando esta decifração que conseguiria mostrar a face humana do outro espelhar ao sujeito e assim mostrar tanto o sujeito quanto o outro. A indiferença, o ódio e o amor em seus intrincamentos compõem o teatro da vida humana. Neste último encontramos a inveja – produto do grande amor a si mesmo e o ódio ao outro.
Salieri encarna o vilão invejoso na história de Mozart, magnificamente encenado no filme Amadeus. Partilhando o espaço vital deste, seguindo seu sucesso nas belas composições, Salieri não se limita a odiá-lo, inveja-lhe a potência criativa, sem confronto direto, mas através de fantasia, onde analisa que uma música tão bela e tão perfeita não pode ser obra humana, e assim, para ele, Mozart não seria o verdadeiro autor, e sim Deus. O próprio Salieri, na infância, havia dedicado sua castidade a Deus em troca de fama e glória ao ser seu porta-voz. Diferente de Mozart, totalmente entregue às paixões carnais que seu sucesso lhe proporcionava, Salieri tentava se manter casto, compromissado com Deus pelo seu juramento, apesar de também desejar ardentemente uma determinada cantora, que se torna amante de Mozart. Neste ponto, revela-se a verdade da inveja, porque Salieri almeja que Mozart não possa usufruir daquele corpo que o excita, também inveja a marca sensível desta preferência divina – o gênio de Mozart.
Para Karnal, inveja é o pecado envergonhado, uma vez que é malvista socialmente – ninguém se apresenta como sendo invejoso, e sim como alguém que é muito invejado. A inveja nunca é positiva. Ela é tristeza pela felicidade dos outros. Nasce do reconhecimento da minha fraqueza.
Inveja vem de in-videre – alguma coisa nascida do olhar invidere – incapacidade de reconhecer uma falha em si mesmo. Aquilo que conheço não gosto. Em contrapartida, tudo que noto no outro me falta e me dói: incapacidade de estabelecer os limites do meu narciso do meu Eu.
Mezan fala que “o essencial da inveja é exatamente iss arrebatar do outro a coisa invejada importa mais que procurar obter a posse de um objeto análogo”. Os diversos autores que escrevem sobre a inveja diferenciam-na da cobiça, do ciúme, da competição ou ainda da admiração. A inveja não acorda com o “também quero”, o que é invejado já pertence a outro e, portanto, não pode ser dele. O invejável é imaginado como único, portanto, incompartilhável; se é do outro, não pode ser meu. Eu quero este objeto único. Desde Aristóteles, declara-se estar a inveja ligada ao amor da reputação, à honra, ao desejo da fama, à beleza, ao elevado nascimento, enfim aos vários dons da fortuna.
Ilcea Borba Marquez - Psicóloga e psicanalista - e-mail – ilceaborba@gmail.com